ATA DA VIGÉSIMA TERCEIRA SESSÃO ORDINÁRIA DA SEGUNDA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA SEXTA LEGISLATURA, EM 27-3-2014.

 


Aos vinte e sete dias do mês de março do ano de dois mil e quatorze, reuniu-se, no Plenário Otávio Rocha do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre. Às quatorze horas e quinze minutos, foi realizada a segunda chamada, respondida pelos vereadores Alberto Kopittke, Bernardino Vendruscolo, Cassio Trogildo, Clàudio Janta, Delegado Cleiton, Dr. Thiago, Guilherme Socias Villela, João Derly, Jussara Cony, Kevin Krieger, Lourdes Sprenger, Mario Fraga, Mauro Pinheiro, Paulinho Motorista, Pedro Ruas e Professor Garcia. Constatada a existência de quórum, o Presidente declarou abertos os trabalhos. Ainda, durante a Sessão, compareceram os vereadores Alceu Brasinha, Any Ortiz, Idenir Cecchim, João Carlos Nedel, Marcelo Sgarbossa, Márcio Bins Ely, Mario Manfro, Nereu D'Avila, Paulo Brum, Reginaldo Pujol, Séfora Mota, Sofia Cavedon, Tarciso Flecha Negra e Valter Nagelstein. Do EXPEDIENTE, constaram: Comunicado do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação do Ministério da Educação, emitido no dia dez de fevereiro do corrente; e Ofícios do Fundo Nacional de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, emitidos nos dias trinta de dezembro de dois mil e treze e trinta e um de janeiro do corrente. A seguir, tendo como mestre de cerimônia o senhor José Luís Espíndola Lopes, foi iniciado Ato de restituição simbólica de mandatos de Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores cassados em face do regime de mil novecentos e sessenta e quatro, nos termos da Resolução de Mesa nº 470, de 26 de março de 2014. Compuseram a MESA: o vereador Professor Garcia, Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre; Luciano Marcantônio, Secretário Municipal de Direitos Humanos, representando a Prefeitura Municipal de Porto Alegre; deputado federal Henrique Fontana, representando a Câmara Federal; deputado estadual Adão Villaverde, representando a Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul; Juçara Dutra, Secretária Estadual da Justiça e dos Direitos Humanos; Sereno Chaise, Prefeito Municipal cassado; Elói Flores, representando a família de Ajadil de Lemos, Vice-Prefeito cassado; Índio Vargas, Vereador cassado; Alberto Schroeter, Vereador cassado; Lea Machado, esposa de Dilamar Machado, Vereador cassado; Lícia Peres, esposa de Glênio Peres, Vereador cassado; Ricardo Chaves, filho de Hamilton Chaves, Vereador cassado; e Maria Isabel da Silva Klassmann, mãe de Marcos Klassmann, Vereador cassado. Em continuidade, os vereadores Pedro Ruas e Alberto Kopittke pronunciaram-se acerca da presente solenidade. Após, o Presidente procedeu à leitura da Resolução de Mesa nº 470, de 26 de março de 2014, que restitui, simbolicamente, os mandatos de Sereno Chaise, Ajadil de Lemos, Alberto Schroeter, Dilamar Machado, Glênio Peres, Hamilton Chaves, Índio Vargas e Marcos Klassmann, eleitos para exercício de mandatos eletivos em Porto Alegre e cassados pelo regime de mil novecentos e sessenta e quatro. Em prosseguimento, foram entregues Diplomas alusivos à presente solenidade, recebidos por Sereno Chaise, Prefeito cassado; Elói Flores, representando Ajadil Lemos, Vice-Prefeito cassado; Marlene Vargas, representando Índio Vargas, Vereador cassado; Lícia Peres, representando Glênio Peres, Vereador cassado; Léa, Alceu e Anderson Machado, representando Dilamar Machado, Vereador cassado; Alberto Schroeter, Vereador cassado; Ricardo Chaves, representando Hamilton Chaves, Vereador cassado; e Maria Isabel da Silva Klassmann e Júlia Klassmann, representando Marcos Klassmann, Vereador cassado. A seguir, foi apregoado Requerimento de autoria do vereador Engº Comassetto (Processo nº 0703/14), deferido pelo senhor Presidente, solicitando autorização para representar externamente este Legislativo, do dia de hoje ao dia vinte e nove de março do corrente, no Encontro Nacional da Frente Nacional dos Vereadores pela Reforma Urbana, no Município de Curitiba – PR. Após, o Presidente concedeu a palavra a Elói Flores e a Sereno Chaise. Ainda, foram registradas as presenças de Ricardo Zamora, Chefe de Gabinete do Governador Governador do Estado do Rio Grande do Sul; Raul Carrion, Deputado Estadual; Alfredo Crossetti Simon, Procurador do Estado do Rio Grande do Sul; Walesca Vasconcellos, Secretária Municipal Adjunta da Mulher; Karina D’Avila, Secretária Municipal Adjunta dos Povos Indígenas e Direitos Específicos; Glória Crystal, Secretária Municipal da Livre Orientação Sexual; Túlio Zamin, Presidente do Banco do Estado do Rio Grande do Sul – BANRISUL –; Eni Canarim, Presidente do Movimento Negro do PDT; Lúcia Kopittke, Vice-Presidenta do Instituto dos Advogados do Brasil; Maria Cristina Carrion de Oliveira, representando a Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Rio Grande do Sul – OAB/RS –; Clovis Ilgenfritz e Cleon Guatimozim, ex-vereadores deste Legislativo; Eleni Melo, Secretária-Geral do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente – CMDCA –; Elói Guimarães, Secretário Municipal da Administração; Christopher Goulart, Vice-Presidente da Fundação de Assistência Social e Cidadania – FASC –; Carlos Chaise; e Ivo Fortes. Ás quinze horas e quarenta e sete minutos, os trabalhos foram regimentalmente suspensos, sendo retomados às quinze horas e cinquenta e seis minutos. Em continuidade, foi iniciado o período de COMUNICAÇÕES, hoje destinado, nos termos do artigo 180, § 4º, do Regimento, a tratar do tema “Memória, Verdade e Justiça”. Compuseram a Mesa: o vereador Professor Garcia, Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre; Roberto Caldas, Juiz e Vice-Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos; Ivan Cláudio Marx, Procurador Federal; e José Carlos Moreira da Silva Filho, Conselheiro da Comissão Nacional de Anistia. A seguir, o Presidente concedeu a palavra, nos termos do artigo 180, § 4º, incisos I e II, a Roberto Caldas, Ivan Cláudio Marx e José Carlos Moreira da Silva Filhos, que se pronunciaram sobre o tema em debate. Em COMUNICAÇÕES, nos termos do artigo 180, § 4º, inciso III, do Regimento, pronunciaram-se os vereadores Clàudio Janta, Sofia Cavedon, Jussara Cony e Alberto Kopittke. Às dezessete horas e doze minutos, constatada a inexistência de quórum, o Presidente declarou encerrados os trabalhos, convocando os vereadores para a Sessão Ordinária da próxima segunda-feira, à hora regimental. Os trabalhos foram presididos pelos vereadores Professor Garcia e Mauro Pinheiro e secretariados pelo vereador Guilherme Socias Villela. Do que foi lavrada a presente Ata, que, após distribuída e aprovada, será assinada pelo 1º Secretário e pelo Presidente.

 


O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS (José Luís Espíndola Lopes): Senhoras e senhores, boa tarde. Na presença do Sr. Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, Ver. Professor Garcia, damos início ao ato de restituição simbólica de mandatos de Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores cassados em face do regime de 1964, nos termos da Resolução de Mesa nº 470, de 26 de março de 2014.

Convidamos para compor a Mesa desta homenagem a representante do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, Sra. Juçara Dutra, Secretária da Justiça e dos Direitos Humanos; o representante da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, Deputado Adão Villaverde; o representante da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, Secretário de Direitos Humanos, Sr. Luciano Marcantônio; Prefeito Municipal de Porto Alegre, cassado, Sr. Sereno Chaise; Sr. Elói Flores, representante da família do Vice-Prefeito cassado Ajadil de Lemos; Sr. Vereador cassado Índio Vargas; Sr. Vereador cassado Alberto Schroeter; Sra. Lea Machado, esposa do Vereador cassado Dilamar Machado; Sra. Lícia Peres, esposa do Vereador cassado Glênio Peres; Sr. Ricardo Chaves, “Kadão”, filho do Vereador cassado Hamilton Chaves; Sra. Maria Isabel da Silva Klassmann, mãe do Vereador cassado Marcos Klassmann.

Com a palavra o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, Ver. Professor Garcia.

 

O SR. PRESIDENTE (Professor Garcia): Senhoras e senhores, para a Câmara Municipal de Porto Alegre hoje é um dia muito importante. A restituição, de forma simbólica, dos mandatos de Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores cassados em face do regime de 1964 resgata um momento histórico. Quero parabenizar o Ver. Pedro Ruas e o Ver. Alberto Kopittke, que trouxeram a proposição à Mesa Diretora, a Mesa Diretora acolheu junto com os demais Vereadores. Entendemos que, naquela ocasião, cada um dos Parlamentos do nosso País teve as suas discussões sobre o episódio. Esta Casa foi o epicentro; 50 anos se passaram, há discussões presentes, e são discussões que ainda permanecerão por muito e muitos anos. De forma simples – mas quero dizer que essa forma simples tem toda uma grandiosidade –, queremos homenagear aquelas pessoas que, num determinado momento, fizeram e continuam fazendo parte da história de Porto Alegre, da história do Rio Grande do Sul e da história do Brasil.

Quero convidar para falar, em nome dos Vereadores proponentes, o Ver. Pedro Ruas.

 

O SR. PEDRO RUAS: Sr. Presidente, Sras. Vereadoras e Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Também cumprimento o meu caro Flores, que representa a família de Ajadil de Lemos, Vice-Prefeito cassado, junto com Sereno Chaise, em 1964; Ver. Alberto Schroeter, que eu conheço tanto de nome, conheci hoje pessoalmente, é uma honra conhecê-lo; Maria Isabel da Silva Klassmann, mãe de um dos meus modelos na política – a filha é a Júlia, que está ali presente também –, do Marcos Klassmann; demais familiares, Valéria, amigos, amigas, companheiros, companheiras, meu caro Raul Ellwanger, que representa o Comitê Carlos de Ré da Verdade e da Justiça; Marta Sica da Rocha, que representa o Comitê Popular da Memória, Verdade e Justiça, comitês que lutam junto com outras entidades; Petracco, vejo daqui – não posso nominar a todos –, Álvaro Petracco da Cunha, é uma grande honra tê-lo aqui; amigas e amigos; eu não vou falar em nome do Ver. Alberto Kopittke, meu caro Clóvis Ilgenfritz, porque ele vai falar depois de mim, então, não tem sentido eu falar em nome de Sua Excelência. Aliás, eu falo em Clóvis Ilgenfritz e vejo, ao lado dele, o Wilson Müller Rodrigues, que representa a Associação dos Delegados de Polícia do Estado do Rio Grande do Sul. Eu quero dizer da honra que tenho em promover este ato, Presidente, com o apoio da Mesa e todos os Vereadores, junto com um jovem Vereador, o Alberto Kopittke, lutador, e que tem tido, em muitos momentos, uma clareza que só teria correspondência numa larga experiência. Eu atribuo isso à sua inteligência e à sua capacidade, o que nos dá orgulho em tê-lo aqui na Câmara.

O momento de hoje é muito mais importante, Lícia, do que nós poderíamos imaginar num primeiro instante porque é uma oportunidade, quando se faz a descomemoração do cinquentenário do Golpe de 64, de lembrar aquelas pessoas que, de uma forma ou outra, além de todo o povo brasileiro e de toda a nossa sociedade, sofreram duramente nas patas da ditadura militar. Em diversos atos, nós temos a oportunidade de relembrar – e gostamos de fazer isso, queremos fazer isso sempre – os presos, os torturados, os mortos, os exilados, e são muitos. Em uma cerimônia aqui, há pouco tempo, em relação ao ex-Vereador Antônio Losada, que luta pela vida no Hospital de Pronto Socorro neste momento, nós mencionamos, um a um os mortos e desaparecidos do Rio Grande do Sul durante a ditadura militar, Professor Zeca, mencionamos aqui. Hoje este ato da Câmara relembra e, simbolicamente, devolve os mandatos de Sereno Chaise e Ajadil de Lemos, cassados em 1964, Prefeito e Vice; Alberto Schroeter e Hamilton Chaves, no mesmo ato, no dia 7 de maio de 1964; Índio Vargas e Dilamar Machado, cassados em 1968; Glênio Peres e Marcos Klassmann, cassados em 1977. O ato de hoje, portanto, orgulha Porto Alegre. Eu não sei, Presidente Garcia, quantas câmaras municipais, em quase seis mil que há no País, fizeram atos dessa natureza. Talvez haja outras, Professora Juçara, eu não sei, mas não tenho conhecimento de nenhuma e pesquisei ontem ainda. Fiz ontem a pesquisa, mas não posso afirmar de forma definitiva. Mas, com certeza, Porto Alegre é das pioneiras. Como Porto Alegre foi pioneira em 1884, ao abolir a escravidão, quatro anos antes da Lei Áurea; como Porto Alegre foi pioneira, em 1989, ao ter a primeira Câmara do País a abolir o pagamento de Sessões Extraordinárias; como Porto Alegre tem a única Câmara, do nosso Brasil, que reintegrou Glênio Peres e Marcos Klassmann em 1979.

Eu nasci e me criei em Porto Alegre. Tenho cinco mandatos aqui nesta Casa. Com muito orgulho, sou porto-alegrense. Vivi e convivi com a maior parte das pessoas mencionadas hoje. A Lícia Peres sabe, a Lea sabe, a Isabel sabe da amizade que tive com o Glênio, com o Dilamar, com o Marcão; o Índio sabe. Tive a honra de conviver um pouco com o Hamilton. Fiquei muito amigo foi do Kadão, o Ricardo. Conheci pouco o Dr. Ajadil, fui com o Dr. Brizola visitá-lo, ele já doente, no seu apartamento, ali na Av. Senador Salgado Filho. Com Sereno Chaise, tenho uma longa história em comum, da qual muito me orgulho.

Então, nós temos toda uma relação. O Glênio dizia muito que nós éramos sempre um só, se pensávamos a mesma coisa. Ele gostava de colocar isso em algumas reuniões, e eu gostava de ouvir isso.

O dia de hoje, portanto, é a devolução simbólica destes mandatos. Nada, não existe maneira de compensar o que sofreram essas pessoas, essas famílias, aqueles que estão aqui e os que não estão também. Nada! Não existe essa maneira. Nós não quisemos, também, nem o Kopittke nem eu e nem a Mesa da Câmara, meu caro Luciano, que representa o Prefeito, algo que trouxesse ônus financeiro ao Município, o que seria justo. Nós quisemos, no cinquentenário do golpe, na descomemoração do golpe que trouxe a ditadura militar ao Brasil marcar esta posição: Porto Alegre reconhece que estes mandatos eram legítimos! Eram mandatos que o povo outorgou! E Porto Alegre devolve estes mandatos! (Palmas.) Este é o ato! É a devolução destes mandatos que o povo definiu como de seus representantes e que a ditadura militar cassou, de forma ilegítima, de forma ilegal, de forma autoritária, brutal. Muitos não podem estar aqui, muitos gostariam de estar aqui, mas nós temos a consciência de que os representamos, temos a clareza da nossa importância, de todos nós, da nossa geração. E quando eu digo geração, eu me refiro a todos que estão vivos ao mesmo tempo, a nós todos, nós todos aqui, desde a Júlia, filha do Marcos Klassmann, que é uma menina, até o mais velho entre nós. Nós que estamos aqui temos a responsabilidade, sim, de dizer o que foi o Golpe de 64, Dep. Henrique Fontana – que nos dá a honra de chegar aqui –, de dizer o que foi a ditadura militar de 21 anos, de dizer o que ela fez, de dizer que prendeu, que torturou barbaramente, que matou, que exilou, que cassou, que impôs a sua vontade de todas as formas. A nossa geração – os que estão vivos hoje nos 50 anos do golpe – tem essa obrigação, e há de cumpri-la trazendo a verdade e buscando a justiça pelos comitês da verdade e da justiça, pelas comissões estaduais e nacional, por cada um de nós, Parlamentares, que temos esse compromisso, por cada militante que honra a luta e a história do seu Partido trazendo a verdade e buscando a justiça.

Concluo por aqui. Eu fiquei, Presidente Garcia, muito emocionado, muito agradecido mesmo. Eu acho que a Mesa da Câmara, na gestão de V. Exa., cumpriu um papel histórico, e eu não esperava de forma diferente; mas eu quero fazer o registro deste agradecimento a todos da Mesa, sem distinção. Agradeço a todos que aqui vieram prestigiar este ato, aos comitês, de novo na pessoa do Raul Ellwanger, da Martinha, da Marta, aos nossos comitês muito atuantes aqui no Sul e nacionalmente, e também a todos que deram o seu tempo para este momento. Não tenham dúvida de que os 50 anos nos dão a oportunidade histórica de mostrar que houve um golpe nas instituições, um golpe na democracia, que houve uma ditadura cruel e sanguinária. E que o mundo saiba que nós não compactuamos com isso e que nós não aceitamos que isso fique sem justiça. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisado pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Professor Garcia): Obrigado, Ver. Pedro Ruas.

 

O SR. MESTRE DE CERIMÔNIAS (José Luís Espíndola Lopes): Sr. Presidente, gostaríamos de convidar para compor a Mesa também o Deputado Federal Henrique Fontana, representante da Câmara Federal. Prestigiam, ainda, este evento o Sr. Clovis Ilgenfritz, ex-Vereador desta Casa; o Sr. Ricardo Zamora, Chefe de Gabinete do Sr. Tarso Genro, Governador do Estado do Rio Grande do Sul; o Deputado Estadual Raul Carrion; o Dr. Alfredo Crossetti Simon, Procurador do Estado do Rio Grande do Sul; a Sra. Walesca Vasconcellos, Secretária Municipal Adjunta da Mulher; a Sra. Karina D’Avila, Secretária Municipal Adjunta dos Povos Indígenas e Direitos Específicos; a Sra. Glória Crystal, Secretária Municipal da Livre Orientação Sexual; o Sr. Túlio Zamin, Presidente do Banrisul; a Sra. Eni Canarim, Presidente do Movimento Negro do PDT; a Dra. Lúcia Kopittke, Vice-Presidente do Instituto dos Advogados do Brasil; a Dra. Maria Cristina Carrion de Oliveira, representante da OAB/RS; o Sr. Cleon Guatimozin, ex-Vereador; e demais familiares dos homenageados desta tarde.

Com a palavra o Sr. Presidente da Câmara Municipal, Ver. Professor Garcia.

 

O SR. PRESIDENTE (Professor Garcia): O Ver. Alberto Kopittke está com a palavra.

 

O SR. ALBERTO KOPITTKE: Sr. Presidente, Ver. Professor Garcia, a quem eu quero, antes de mais nada, fazer um reconhecimento e um agradecimento, porque se não fosse sob a sua condução nós não estaríamos tendo a oportunidade de abrir esta Casa para este momento histórico. Meu muito obrigado e meus cumprimentos. Quero cumprimentar todos colegas Vereadores de todos os partidos que aqui se encontram, das mais diversas bandeiras partidárias. Saúdo todas as autoridades aqui presentes, não quero desgastá-los nominando a todos, mas não posso deixar de citar a Secretária Estadual de Justiça e Direitos Humanos, Juçara Dutra; o Deputado Adão Villlaverde, representando nossa Assembleia Legislativa, o Deputado Henrique Fontana, representando nossa Câmara Federal, dois companheiros nos quais me espelho para mirar minha trajetória política, pela ética e pela luta; o Sr. Luciano Marcantônio, representando nosso Prefeito José Fortunati; e, de maneira muito especial, saudar aqui o colega Ver. Christopher Goulart, que representa o seu avô, cassado pela ditadura militar, Presidente João Goulart. Saudar a colega da OAB, Maria Cristina Carrion, em deferência a nossa Ordem dos Advogados do Brasil – como advogado e também em homenagem à minha mãe aqui presente, Dra. Lúcia; não posso deixar de citar a luta da nossa Ordem dos Advogados do Brasil, que estamos recém conhecendo, advogados e advogadas que viraram madrugadas visitando os presídios clandestinos da ditadura.

Quero saudar também uma figura muito especial, Dr. Cleon Guatimozim, ex-Presidente desta Casa, pois me foram contadas as condições em que o senhor deu posse novamente aos Vereadores Glênio Peres e Marcos Klassmann, com a Câmara cercada pelo Exército, os dois ainda com mandado de prisão, e o senhor muito corajosamente devolveu o mandato a eles no dia seguinte da declaração da anistia no Brasil. E, de forma muito especial, o nosso Prefeito reempossado simbolicamente hoje, Sereno Chaise, e a todos os familiares e Vereadores também aqui presentes, Índio Vargas e Alberto Schroeter, meu agradecimento muito especial.

Sei que não é um momento fácil; quando fui convidar o Dr. Sereno, percebi que não era um momento fácil para o senhor e seus familiares estarem aqui, porque é o ato de lembrar novamente, lembrar um momento duro, momentos de prisão, de medo, de tortura, momentos onde muitos tombaram, sem aviso, pelo caminho. Mas não posso deixar de agradecer aos senhores e às senhoras, aos familiares, porque este ato tem dois sentidos, primeiro uma homenagem a cada um que dedicou a sua vida para que hoje tenhamos a liberdade de falar o que pensamos, esse direito tão sutil, mas tão valioso do qual não podemos abrir mão.

A solenidade de hoje quer agradecê-los, mas também tem, além de um sentido para o passado, um sentido para o futuro, porque as novas gerações, como a minha e as mais jovens, precisam saber o que aconteceu neste País, precisam ter o direito de saber a verdade, não porque se queira vingança, não porque se queiram retaliações, mas porque o futuro da democracia só vai se construir se olharmos para o passado, se tivermos a coragem de ver o quão maus podemos ser ao torturar irmãos brasileiros, jovens que lutavam pela liberdade. E esse é o sentido, Deputado Fontana. Saúdo também o professor José Carlos que está aqui, Vice-Presidente da Comissão de Anistia, e quero deixar um abraço ao nosso Presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão Pires Júnior, que tem feito um trabalho de resgate da história, o que me inspira muito e me emociona por ter tido a oportunidade de, junto com o Ministro Tarso, reconstruir a Comissão de Anistia, que tem feito um trabalho de reconstrução da memória deste País fantástico. Porque quem esquece a história também incorre no crime; não no crime físico, mas no crime do esquecimento.

Existe um pensador chamado Walter Benjamin, que estou tendo a oportunidade de conhecer recentemente, que nos ensinou, Prefeito Sereno, que nós temos duas formas de olhar para a história: ouvindo a voz dos vencedores, ouvindo o bradar retumbante da propaganda oficial daqueles exércitos dos vencedores sempre contando a sua versão da história, ou nós temos a oportunidade, a obrigação de ter um outro olhar sobre a história, de ver a história a partir do olhar daqueles que tombaram, daqueles que sofreram, dos sussurros dos porões enquanto eram torturados. E nós fazemos a opção de olhar a história por esses jovens que dedicaram a sua vida para que nós pudéssemos estar aqui hoje. Somente se nós enfrentarmos essa herança pesada do Brasil nós vamos poder construir uma democracia, de fato, para o futuro. Infelizmente, o nosso País carrega, sim, no seu passado, uma dura e pesada história de repressão, de intolerância com os negros, com os índios, com todos aqueles que tentaram lutar pela igualdade, pelas mulheres, pelos militantes de outras ideologias que não a ideologia oficial. O nosso País amassou, torturou e matou muitos que se levantaram por um país mais justo. E é em nome desses nossos avós da liberdade que nós queremos construir um futuro de democracia para os nossos netos. Somente assim, não existe outro caminho. É assim que as nações têm conseguido superar o seu passado autoritário.

Eu quero aqui, de forma muito breve, trazer uma frase muito inspiradora, um discurso do Vereador Glênio Peres, minha querida amiga Alicia, também inspiradora pela luta dos direitos humanos, quando ele disse, no plenário desta Casa – ainda em outra sede, é verdade –, no dia 31 de janeiro de 1977, no seu discurso muito famoso, o seguinte: “Esta é uma Casa para falar dos buracos da rua; esta é uma Casa para falar da falta de luz [que nós temos numa determinada avenida.], mas esta é uma Casa que jamais pode deixar de falar da liberdade...”.

A Câmara Municipal de Porto Alegre é para proclamar também o grande buraco aberto nos direitos humanos, Ver. Pedro Ruas, nos direitos do cidadão brasileiro. Esta tribuna é para dizer que há um buraco numa rua do Sarandi, mas também é para dizer que há uma imensa prisão que hoje impede manifestações do pensamento em prol da liberdade de todos os brasileiros.

Que jamais se esqueça, que jamais aconteça. Viva a democracia! Viva a liberdade! Abaixo a ditadura! (Palmas.)

 

(Não revisado pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Professor Garcia): Quero registrar também as seguintes presenças: Sra. Eleni Melo, Secretária-Geral da CMDCA; Sr. Carlos Chaise; Sr. Ivo Fortes; Sr. Elói Guimarães, Secretário Municipal da Administração; Sr. Christopher Goulart, Vice-Presidente da FASC.

Neste momento, farei a leitura da Resolução de Mesa nº 470, de 26 de março de 2014. (Lê.): “Restitui, simbolicamente, os mandados do Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores cassados em face do regime de 1964. A Mesa da Câmara Municipal de Porto Alegre, no exercício de suas atribuições legais, em conformidade com os art. 15 e 16 do Regimento deste Legislativo, aprovado pela Resolução nº 1.178, de 16 de julho de 1992 e alterações posteriores. Considerando que no ano de 2014 transcorre o cinquentenário do Movimento de 1964; Considerando que, em decorrência da implantação do novo regime de governo, houve a cassação de mandatos eletivos nesta Capital; Considerando que esta experiência histórica realça a importância da defesa da democracia como regime de governo que permite a livre manifestação da cidadania no que respeita aos destinos da Nação. Estabelece. Art.1º – Ficam restituídos, simbolicamente, os mandatos dos seguintes políticos eleitos para exercício de mandatos eletivos em Porto Alegre e cassados pelo Regime de 1964: Sereno Chaise, Prefeito; Ajadil de Lemos, Vice-Prefeito; Alberto Schroeter, Vereador; Dilamar Machado, Vereador; Glênio Peres, Vereador (período de 03.02.1977 a 28.08.1979); Hamilton Chaves, Vereador; Índio Vargas, Vereador; Marcos Klassmann, Vereador (período de 15.02.1977 a 28.08.1979). Art. 2º – A restituição de mandatos de que trata a presente Resolução possui caráter simbólico, não gerando quaisquer direitos e obrigações. Art. 3º– Esta Resolução de Mesa entra em vigor a partir da data de sua publicação. Gabinete da Presidência da Câmara Municipal de Porto Alegre, 26 de março de 2014. [Assinam.] Ver. Professor Garcia, Presidente. Ver. Mauro Pinheiro, 1º Vice-Presidente. Ver. Delegado Cleiton, 2º Vice-Presidente. Ver. Guilherme Socias Villela, 1º Secretário. Ver.ª Any Ortiz, 2ª Secretária. Ver. Márcio Bins Ely, 3º Secretário”. A presente Resolução foi publicada no Diário Oficial de Porto Alegre na data de hoje, 27 de março de 2014. (Palmas.)

Neste momento, nós queremos fazer a entrega dos Diplomas de restituição simbólica ao mandato. Eu quero convidar o sempre Vereador desta Casa, Cleon Guatimozin, para que, junto com a Presidência, possa restituir o mandato dos já nominados. Convido também o Ver. Alberto Kopittke e o Ver. Pedro Ruas para estarem aqui na Mesa, para que nós possamos chamá-los, individualmente, e fazer o agradecimento que eles merecem, em nome da Cidade.

 

(Procede-se à entrega dos Diplomas às seguintes autoridades: Sr. Prefeito Municipal de Porto Alegre cassado e, agora, restituído, Sereno Chaise; Sr. Ajadil Lemos, Vice-Prefeito cassado, representado pelo Sr. Elói Flores, familiar; Sr. Índio Vargas, Vereador, representado por sua esposa, Sra. Marlene; Sr. Glênio Peres, Vereador, representado pela sua esposa, Sra. Lícia Peres; Sr. Dilamar Machado, Vereador, representado pela sua esposa, Sra. Léa Machado e pelos filhos Alceu e Anderson; Sr. Alberto Schroeter, acompanhado de sua filha Valéria; Sr. Hamilton Chaves, representado pelo seu filho, Sr. Ricardo Chaves, “Kadão” – solicitamos a presença das irmãs Maria Tereza e Maria Betânia; Sr. Marcos Klassmann, representado pela mãe, Sra. Maria Isabel da Silva Klassmann e pela filha, Sra. Júlia Klassmann).

 

O SR. PRESIDENTE (Professor Garcia): Eu vou pedir um pouco da paciência daqueles que estão assistindo a este evento, mas ele é ímpar, é único. Nós vamos fazer dois momentos: primeiro, a foto com os homenageados e, depois, uma foto maior com todos os familiares e uma com os Vereadores. Por gentileza, chamo o Sr. Carlos Chaise para tirar a foto conosco.

 

(Procedem-se aos registros fotográficos.)

 

O SR. PRESIDENTE (Professor Garcia): Senhoras e senhores, solicito que retornem aos seus assentos para a continuação da Sessão.

Apregoo o Requerimento, de autoria do Ver. Engº Comassetto, que solicita representar esta Casa no evento “Encontro Nacional da Frente Nacional dos Vereadores pela Reforma Urbana”, na cidade de Curitiba-PR, no período de 27 a 29 de março de 2014, com custeio de viagem.

Senhoras e senhores, nós temos ainda a fala do Sr. Prefeito. Queremos informar que, ato contínuo, haverá um debate no plenário.

Queremos convidar o Sr. Elói Flores para fazer o pronunciamento, lendo uma carta do seu pai, Ajadil de Lemos.

 

O SR. ELÓI FLORES: Presidente Garcia, boa-tarde, cumprimento-o pela iniciativa, cumprimento os Vereadores desta Casa, senhoras e senhores homenageados, familiares, e diria, de início, Presidente, que a história tem formas de ser escrita e de ser dita, ela é dinâmica. E hoje trago aos Srs. Vereadores e a todos aqueles que estão presentes uma carta em nome do filho do Dr. Ajadil de Lemos...

 

(Manifestações no plenário.)

 

O SR. PRESIDENTE (Professor Garcia): Só um minutinho. Senhores e senhoras, eu vou pedir um minuto de atenção para que possamos ouvir o orador que está na tribuna. Por gentileza, permaneçam em seus assentos mais alguns minutos, porque, logo depois, temos a fala do Dr. Sereno Chaise, Prefeito da Cidade.

Eu quero, mais uma vez, agradecer a presença do Presidente, Cleon Guatimozim, que distribuiu todos os diplomas referentes à época. Por gentileza, Dr. Elói Flores.

 

O SR. ELÓI FLORES: Retomando, eu vou ler uma carta a vocês que tem um cunho histórico e que, de uma certa forma, na dinâmica do que se escreve, do que se vive e do que se lê, traz elementos importantes, pelo momento dessas pessoas homenageadas que viveram juntamente. Essa carta é do filho do Dr. Ajadil de Lemos, o Dr. Adail Ivan de Lemos, que me enviou hoje pela manhã e lamentou não poder vir para cá por um problema de aeroporto, não há passagem do Rio para Porto Alegre: “Em nome de meu pai, Ajadil de Lemos, venho por meio da voz de meu irmão de criação [sou eu], Elói Flores da Silva, agradecer a homenagem póstuma que lhe está sendo prestada nesta cerimônia patrocinada pela Câmara de Porto Alegre. Aqui eu agradeço e cumprimento o Ver. Ruas, o Ver. Alberto, pela sua iniciativa e pela sua memória de dignidade com a história do Rio Grande – muito obrigado. Nada mais justo que reempossar politicamente aqueles trabalhistas que, no exercício de seu mandato, foram cassados com o golpe ocorrido em finais de março de 1964. Para que esse ato seja compreendido em toda a sua extensão, julgo oportuno divulgar a todos alguns episódios que marcaram a vida pessoal e política de Ajadil de Lemos. Ainda na condição de jovem advogado, meu pai pertenceu à União Social Brasileira e foi companheiro de Arlindo Pasqualini. Nas inúmeras campanhas políticas de que participou, Ajadil viajou com Pasqualini o Rio Grande do Sul e foi uma espécie de Secretário Particular. Depois de avaliar seus textos, os revisava e, sob orientação dele, dava a forma final a seus discursos. Ajadil de Lemos, orador ilustre da Faculdade de Direito da Universidade Federal, meu pai, tornou-se amigo inseparável de Leonel Brizola, e foi, em grande parte, responsável [e isso é importante] por sua filiação no antigo PTB, ainda sem seus primórdios, quando surgira. Também foi advogado de Brizola durante mais de 30 anos. Como militante do Partido, participou ativamente da Campanha da Legalidade, após a renúncia do Presidente Jânio Quadros. Na época, eu, Adail Ivan, com 14 anos de idade, fui convocado por ele, Brizola, para fazer parte dessa resistência a um já antecipado golpe. Já havia uma previsão clara do golpe. Em julho de 1962, quando Brizola transferiu-se para o Rio de Janeiro para candidatar-se a Deputado Federal, meu pai substituiu-o interinamente no Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Em novembro de 1963, aceitou concorrer, pelo PTB, à Vice-Prefeitura da cidade de Porto Alegre, e foi eleito com 45% dos votos, junto com Sereno Chaise [hoje homenageado e empossado como Prefeito]. O golpe de 1º de abril de 1964 levou os candidatos eleitos e seus companheiros à prisão, mais exatamente no Quartel 3º Batalhão da Guarda da Brigada Militar.

Ainda guardo com carinho uma foto de meu pai e seus correligionários, todos encarcerados durante os primeiros dias da ditadura militar. Entre eles estavam os Deputados Wilson Vargas da Silveira, Justino Quintana, Rubens Porciúncula, José Lamaison Porto e AntonioVisintainer. Meu pai está sentado ao lado do João Caruso Scuderi e Sereno Chaise. Também foi amigo de alguns outros homenageados nessa cerimônia, como Hamilton Chaves, Índio Vargas e Dilamar Machado. Além de preso, teve seu mandato político cassado sob a falsa alegação de improbidade administrativa, onde sequer tivesse tomado posse. Graças a ajuda de seus amigos, meu pai continuou assumindo todas as responsabilidades financeiras. Há, entretanto, uma curiosidade que precisa vir a público, e isso é importante em termos históricos. Após alguns meses de prisão, o coronel encarregado do inquérito chamou e disse: “É isso que não está na história que nós precisamos.” O que dizia o Ruas: “Nós precisamos rememorar.” “Dr. Ajadil de Lemos, nós investigamos toda a sua vida, seus atos e a sua carreira pessoal e não encontramos qualquer indício de malfeitos ou improbidades. Assim sendo, o senhor está liberado após os procedimentos de praxe.” Ao que o meu pai, Ajadil de Lemos, respondeu: “Prezado senhor, eu esperava que o senhor me dissesse isso mais cedo ou mais tarde, mas considero que não somente a minha prisão é injusta, é injusta também a prisão de todos os meus companheiros. Por esse motivo, me recuso a ser libertado e só sairei da prisão quando o último dos meus companheiros for também libertado.” (Palmas.)

Ajadil só aceitou a liberdade quando o seu último companheiro, Wilson Vargas, foi libertado. Os dois saíram juntos, e de cabeça erguida, desse Quartel do 3º Exército. Mais que uma pessoa coerente, o meu pai foi também um teórico do trabalhismo, graças à enorme influência de Arlindo Pasqualini. Gostaria de finalizar lendo para vocês alguns trechos de uma carta enviada a mim por Ajadil de Lemos, em 13 de setembro de 1970, e que até os dias de hoje me parece atual. Meu pai começa dizendo – nessa ocasião Adail Ivan estava preso na fortaleza de Santa Cruz, no Rio de Janeiro; hoje ele é um médico psiquiatra, com doutoramento na Inglaterra –: “Posso avaliar, sim, e penso avaliar, dizia Adail. Bem, teu estado de espírito, já agora depois de um ano e um mês de prisão, particularmente depois da tua absolvição em 23 de julho e da ameaça de dois novos processos, mas como dizes, ainda mais que a acusação, o pior é o ambiente físico e psicológico a que tem sido submetido, prolongando a pressão moral da primeira fase das torturas e humilhações a que só os bravos de alma conseguem resistir e superar, mesmo amargando a face da revolta íntima.” Dizia o Dr. Ajadil, ao filho. Dois parágrafos abaixo, esse pai, amigo e companheiro, se refere a Adail Ivan, seu filho, as minhas vicissitudes com extrema humildade. Vejam bem o que o pai diz ao filho: “Meu consolo é que serás, daqui a 20 anos, o líder que não pude ser, talvez mesmo por falta da tua experiência pessoal que nos tempos de moço, é que o sofrimento político chegou tarde em minha vida, pois só ele, em verdade, ensina as lições novas da história, abrindo rumos e horizontes além daqueles que bastaram ao conformismo e à cupidez dos conservadores e reacionários. Pode ser que ainda tenha olhos para ver e sentir a realização dos teus ideais, que também são mais nobres. Ninguém, nem mesmo o meu pai – diz Adail Ivan –, poderia prever que o regime militar iria durar tanto tempo, e que menos 20 anos depois do seu final, ainda iria perseguir e dificultar a carreira dos seus opositores.

Ele termina a sua carta dizendo: em todo o caso, este é o problema do destino de cada um que nem sempre coincide com os estreitos limites da vida individual. O importante, contudo, é sabermos do valor da nossa vida no que passa a ter de mais alto e mais nobre, jamais simplesmente vivê-la como eunucos ou moluscos. O futuro espera por ti, meu filho”.

Gostaria de finalizar, dando a seguinte contribuição: hoje, eu, Adail Ivan de Lemos, filho de Ajadil de Lemos, que me deu o nome de seu irmão mais velho, sou Presidente do Movimento Raízes Trabalhistas no Rio de Janeiro e digo em alto e bom som: não podemos nos afastar do trabalhismo! Não podemos perder o fio da história que começou com Getúlio, continuou com Jango, evoluiu com a fundação do PDT. O Partido Democrático Trabalhista deverá ser a síntese dessa revolução histórica e da evolução presente. Não podemos nos afastar de nossas origens políticas e ideológicas e nos transformarmos num partido sindicalista simplesmente auxiliar do Governo Federal. Vamos retomar o trabalhismo de Arlindo Pasqualini, Ajadil de Lemos e Leonel Brizola. Vamos voltar a ser sempre o que fomos.

Muito obrigado por escutarem. Elói Flores, Adail Ivan e Ajadil de Lemos. Muito obrigado a todos. (Palmas.)

 

(Não revisado pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Professor Garcia): Muito obrigado, Sr. Elói Flores.

Convidamos para fazer uso da palavra o Sr. Prefeito Municipal de Porto Alegre, Sereno Chaise. (Palmas.)

 

O SR. SERENO CHAISE: Srs. Vereadores, Professor Garcia, ilustre Presidente desta Casa; Sras. Vereadoras, eu pertenço a uma geração perigosa quando vê um microfone. O Presidente já me alertou que são no máximo 30 minutos; eu espero não passar dos 15 ou 20 minutos.

Sr. Presidente e Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Eu tenho uma inclusão muito grande com esta Casa. Dos antigos, daquela geração antiga, cassada pelo Golpe de 64, eu vejo muitas figuras aqui: o meu velho amigo Elói Guimarães, do nosso velho PTB; lembro-me do pai do Elói, lá na Vila Floresta, chefiando o nosso partido. Vejo muitas figuras antigas.

Usarei apenas meio minuto para dizer o seguinte: jamais me considerei vítima e também nunca tive contas a ajustar com ninguém. Sou um pouco fatalista, acho que o que ocorreu pertence ao passado. Nunca alimentei sentimentos inferiores de odiosidade, de inveja, de vingança ou coisa parecida; nunca. Sempre tratei de olhar a vida para frente. Tenho a convicção de que em 64 quem perdeu não fomos nós, os cassados, figuras brilhantes cujos nomes já foram citados aqui – o Glênio, o Marcão, o Dilamar, meu grande amigo; quem perdeu foi a Cidade, perdeu esse conjunto de homens públicos da melhor qualidade. (Palmas.)

Naqueles poucos quatro meses, eu obtive do Presidente João Goulart... Porque eu fiz a campanha, aqui, na base de dizer que o dinheiro eu ia obter do Governo Federal, já que era Presidente o companheiro e amigo pessoal João Goulart. Então, naqueles quatro meses eu obtive o primeiro empréstimo para a Prefeitura, o equivalente a dois orçamentos anuais. O Pampa 45 foi aprovado pela Câmara no dia 22 de novembro de 1963, pelas antigas, pelas velhas bancadas. Os novos Vereadores, evidentemente, ainda não tinham assumido. Data trágica: eu estava na Câmara não era aqui, era lá no Edifício da Prefeitura, 14º andar, depois o 13º também, eu estava lá às 6 h da tarde quando chegou a notícia da morte do Presidente John Kennedy, foi no dia 22 de novembro de 1963. E a Câmara aprovou aquele projeto para o qual o Hamilton me ajudou muito. O Otávio Caruso da Rocha, o Álvaro Petracco da Cunha também, daquelas figuras antigas. Um plano que previa uma inversão grande dos investimentos para os próximos quatro anos; sistema viário, sistema de abastecimento de água – a Hidráulica do Menino Deus era um projeto de cinco etapas, estava feita só a primeira etapa e eu queria concluir as outras quatro. Tínhamos recursos federais para isso, então, como eu digo, quem perdeu foi a Cidade, infelizmente. Eu sou um homem que está realizado na vida, tenho a minha família, tenho netos aqui presentes, vou agora, na semana que vem, para os 86 anos, não é brincadeira, e não alimentei esses sentimentos inferiores. Eu disse que tenho uma inclusão muito grande com esta Casa, porque eu fui Vereador titular de 1952 a 1955. Imaginem, chegar em Porto Alegre em 1945 para estudar, com a roupa num saquinho de sal. Sete anos depois eu era Vereador. (Palmas.) Constituímos a maior bancada do velho PTB, Temperani Pereira, Josué Guimarães, Geraldo Brochado da Rocha, eu, Leopoldo Machado, Coronel Lúcio Marques, o Dilvo Araújo, éramos a maior bancada. Fui líder da bancada, fui presidente da Câmara, em 1955, e depois fui para o Estado, em 1958, para a Assembleia, quando Brizola foi para o Palácio. Bom, passados quatro ou cinco anos, me joguei na campanha de 1963. Ganhamos bem as eleições, com mais de 50% dos votos. O Ajadil de Lemos fez mais de 45%. Naquele tempo se votava separado para prefeito e para vice-prefeito. Bom, depois daquele período veio a revolução, 20 anos praticamente, até que sobreveio a anistia. Muitos episódios no decorrer desse tempo. Logo depois que sobreveio a anistia, o Ver. Cleon, que foi por 11 ou 12 anos presidente da Câmara, teve a coragem de me convidar para diretor-geral, e eu que havia sido Vereador titular, tinha sido presidente, sem qualquer restrição fui para lá, assumi durante três anos a chefia administrativa da velha Câmara no edifício da Prefeitura.

Dessa época, lembro bem de dois episódios marcantes: o Marcão e o Glênio foram cassados, sobreveio a anistia e ainda estava dentro do período de mandato deles – eles tinham sido cassados, mas o mandato era de quatro anos, e antes do término do prazo sobreveio a anistia – e o Cleon teve a coragem de reempossá-los como Vereadores titulares. (Palmas.) E nós sofremos uma pressão, era telefonema do Petrônio Portela, Ministro da Justiça da época, e falavam claramente: “Vamos fechar a Câmara, vamos extinguir a Câmara de Porto Alegre”. Ameaças dessa natureza, mas o Cleon aguentou firme, e o Marcão e o Glênio terminaram os seus mandatos.

Outro episódio que me marcou muito foi o Prefeito Guilherme Socias Villela, que levava pessoalmente as mensagens à Câmara. Chegava lá e a primeira coisa que fazia era ir direto na minha sala; devo essa atenção a ele, meu amigo desde essa época, um homem realmente voltado para os melhores interesses de Porto Alegre.

Depois veio 64. Aliás, a única consideração: o golpe não nasceu em 1964, o golpe nasceu em 1954, quando os generais reunidos no Ministério da Guerra decidiram que o Presidente Getúlio entraria em licença com a condição de não voltar mais, de não pretender voltar. E quando o General Âncora levou, em nome do exército, essa proposta ao Dr. Getúlio, este recusou na hora. E o resto da história nós conhecemos: ele se deu um tiro, e o povo foi para as ruas. Eu nunca vi manifestação popular nas ruas como a de 1964. O povo realmente tomou as ruas do País, e aí os golpistas fizeram como tatu, entraram para a toca e ficaram bem quietinhos. Depois tentaram, de novo, no 11 de novembro.

Juscelino foi eleito com 39% dos votos, mas, na época, a legislação eleitoral não exigia maioria absoluta – e eram vários candidatos; Juarez Távora, 30% e assim por diante. E o Lacerda levantou a tese: não pode assumir porque não fez maioria. A lei não exigia. Criou um mal-estar e uma apreensão no País inteiro; o Lott botou os tanques na rua e declarou posse ao eleito. Ficaram quietos, novamente.

Depois, veio o triunvirato militar, Ministros do Exército, da Aeronáutica e da Marinha: “O Vice não pode assumir”. E aí o Rio Grande levantou-se sob o comando do Governador Leonel Brizola. Respeito à Constituição: para que existe o Vice? Justamente para isso: no caso de impedimento, morte ou renúncia do titular. É uma tese simples, clara, objetiva, que empolgou a alma do Rio Grande. E nós conhecemos a história. Os golpistas tiveram que recuar novamente. Fortaleceram-se para 64. Vejam o seguinte: os governadores dos mais expressivos Estados da Federação – Lacerda, no Rio; Magalhães Pinto, em Minas Gerais; Adhemar de Barros, em São Paulo; o Major, no Paraná; e o Meneghetti aqui no Rio Grande. Os cinco mais expressivos Estados da Federação, com as suas forças públicas, quer dizer, isso era uma força política tremenda. Restava o quê? O Norte, o Nordeste, Santa Catarina. Então, a conjunção de forças em 64 foi realmente gigantesca. Acrescido a isso a questão da inflação – o País estava numa fase de quase 70% de inflação ao ano. Isso fez com que nós, em 64, não tivéssemos o apoio popular de 61, devido fundamentalmente à questão da inflação. Pois bem, ultimaram o golpe. Nos idos de abril – eu fui cassado no dia 8 de maio –, a primeira relação aqui do Estado, antes de fins de abril, saíram as relações nacionais, em São Paulo e Rio; aqui no Rio Grande do Sul a primeira foi em 8 de maio. Logo depois, eu recebi, num belo dia, na Prefeitura, o Chefe do Cerimonial do Palácio, que me disse: “Prefeito, vem aqui o embaixador americano, e nós reservamos a noite tal para Prefeitura oferecer um banquete a ele”. E eu disse: “Olha, nós aqui na Prefeitura estamos num regime drástico, violento mesmo, de economia, nós não vamos oferecer banquete”. “Mas o senhor o recebe?” Eu disse: “Evidentemente, é um embaixador de um país que tem relações conosco”. Ficou combinado que naquele dia às 16h haveria a recepção. Chegou lá o Lincoln Gordon – que depois deixou de ser Embaixador no Brasil, voltou a ser professor universitário e escreveu um livro, onde comentaria tudo que nós vimos na época: a interferência americana através da CIA, do Golpe, a 7ª frota americana aqui nas nossas costas, comandada pelo porta-aviões Forest Fall, mais sete ou oito navios de guerra – tudo isso está dito por ele no livro que ele escreveu depois. E nesse dia – eu nunca falei desse jeito –, mas não sei, foi uma coisa de inopino. Ele chegou, serviram o cafezinho, e eu cometi a bobagem de perguntar: “O que o senhor achou, Embaixador, desses acontecimentos recentes em meu País?” Esperando que ele viesse com aquela clássica resposta diplomática: “É um assunto interno, não cabe a nós apreciar o problema interno”. Ah! Ele saiu logo: “Aquela esculhambação não podia continuar, tivemos que interferir para o país não cair nas mãos do comunismo”. E eu, instantaneamente, sem refletir, larguei a xicrinha do café, levantei e disse: “Embaixador, obrigado pela visita”. Ele embraveceu, saiu, sem se despedir, porta afora. (Palmas.) Pelos exilados, lá em Montevidéu – e o Dilamar foi quem me referiu isso –, havia muita crítica a mim, por ter recebido o Embaixador, e eu disse depois, quando fui lá novamente a Montevidéu, que se eu fosse embaixador da Rússia, seria uma questão protocolar. Isso não tem nada a ver com comunismo, com capitalismo; isso é uma questão protocolar. Eu não podia negar. Neguei-me a oferecer banquete, agora, a receber um embaixador de um país que tem relações conosco, evidentemente eu não podia fazer. Bem, passou um pouco de tempo, no verão de 1965, eu fui novamente a Montevidéu e na volta parei em Maldonado, onde eu tinha combinado com o Presidente João Goulart de almoçar. Fiquei lá toda a tarde e conversamos muito. Ele, inclusive, me disse a certa altura: “Se eu houvesse resistido, e faria, e estou até hoje pronto a pagar qualquer preço para evitar que corra sangue entre irmãos, de brasileiro contra brasileiro, eu teria ganhado a parada. Mas o Brasil ficaria da Bahia para baixo, porque essa 7ª frota tinha 30 mil mariners para desembarcar, e acham que eles estavam preocupados com a Paraíba, Rio Grande do Norte ou com o Ceará? Não, a joia da Coroa é a Amazônia, e se esses mariners tivessem desembarcado ali [Isso quem me disse foi o Presidente João Goulart, em Maldonado.], eu ganhava, mas nós jamais tiraríamos os mariners da Amazônia”. Mas isso pertence ao passado. É muito interessante a leitura deste livro do Lincoln Gordon, porque ele diz, com todas as letras, o que diziam os nossos adversários: isso é dor de cotovelo deles que perderam a parada. Nós perdemos a parada, mas quem perdeu foi o Brasil. Ninguém ganhou. A verdade é esta: ninguém ganhou. O País teve essa noite negra de perseguições, de insegurança, de tortura, de morte. Quantas vítimas da ditadura! Inclusive, agora, está vindo, finalmente, à flor a história do Deputado Rubens Paiva. Então, eu estive aqui na semana passada e conversei com os Vereadores, com o Ver. Alberto, com o Presidente, com o Pedro Ruas, conversei com todos e disse a eles que não gostaria de Resolução. Eu acho que a homenagem é correta. Eu acho que esses fatos da história devem ser lembrados, mas não como quem põe o dedo em uma ferida para sair mais sangue. Não, deve ser lembrado no sentido de alertar para que nunca mais ocorra no nosso País um período como esse. (Palmas.) É nesse sentido que eu recebo, com humildade, esta homenagem da Câmara de Vereadores, na qual não há nenhum objetivo prático, concreto, o Prefeito é o nosso Fortunati. A história nós não apagamos, nem alteramos, ela está registrada. Mas é bom lembrar, sobretudo – repito – para que nunca mais ocorra um período desses na história do nosso País. Muito obrigado a todos. (Palmas.)

 

(Não revisado pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Professor Garcia): Obrigado, Sr. ex-Prefeito de Porto Alegre, Sereno Chaise. Informo que, logo após este evento, nós vamos ter o período temático de Comunicações aqui mesmo, com o tema específico: Memória, Verdade e Justiça, com três palestrantes: o Sr. Roberto Caldas, Juiz e Vice-Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos; Dr. Ivan Cláudio Marx, Procurador Federal, e o Prof. José Carlos Moreira da Silva Filho, Conselheiro da Comissão Nacional de Anistia.

Senhores e Senhoras, a Câmara Municipal de Porto Alegre acredita que, com este gesto e este ato, está reconstituindo parte da nossa história.

Queremos agradecer a participação dos senhores e das senhoras e, de forma acolhedora, dizer que aos homenageados que se sintam em casa, porque, repito: fizeram e fazem parte da história de Porto Alegre, do Rio Grande do Sul e do Brasil. Muito obrigado a todos e faremos um rápido intervalo para as despedidas.

Estão suspensos os trabalhos.

 

(Suspendem-se os trabalhos às 15h47min.)

 

O SR. PRESIDENTE (Professor Garcia – às 15h56min): Estão reabertos os trabalhos da presente Sessão.

Passamos às

 

COMUNICAÇÕES

 

Hoje este período tem como tema Memória, Verdade e Justiça.

Convidamos para compor a Mesa o Sr. Roberto Caldas, Juiz e Vice-Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos; o Sr. Ivan Cláudio Marx, Procurador Federal; o Sr. José Carlos Moreira da Silva Filho, Conselheiro da Comissão Nacional de Anistia. Senhoras e senhores, todos estão convidados a participar dos debates sobre o tema Memória, Verdade e Justiça.

O Sr. Roberto Caldas, Juiz e Vice-Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, está com a palavra.

 

O SR. ROBERTO CALDAS: Boa tarde, senhoras, senhores, Presidente Professor Garcia, os nossos agradecimentos pelo convite; eminente Ver. Alberto Kopittke, nossos melhores agradecimentos e reconhecimento pela importância histórica deste ato aqui realizado, já iniciado com uma belíssima homenagem a quem tem tanto mérito pela luta democrática para o nosso País, para o Estado do Rio Grande do Sul e para Porto Alegre. Cumprimento meus colegas de Mesa – Dr. José Carlos Moreira da Silva Filho, da Comissão de Anistia; Dr. Ivan Cláudio Marx, Procurador da República, membro da força-tarefa do caso Guerrilha do Araguaia. É uma satisfação dividir este momento com vocês, este momento em que tratamos da memória, da verdade e da justiça. Eu quero concentrar a minha manifestação no aspecto justiça. Como Juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos, e tendo participado no caso Guerrilha do Araguaia como juiz ad hoc, ou seja, juiz indicado pelo Estado brasileiro para julgar aquele caso, creio ser absolutamente relevante lembrar que nós não estamos neste tempo, neste 50º ano do Golpe de Estado de 31 de março de 1964, a buscar, apenas investigar, julgar e punir. Mas mais que isso, nos preocupamos em resgatar a memória, em resgatar a imagem das pessoas que, muitas vezes, heroicamente, emprestavam seus serviços à Nação e, em dado momento, da noite para o dia, eram sacados dos cargos, eram destituídos da representação política, como muitas vezes ocorreu. Aliás, o Ato Institucional nº 01 foi exatamente no sentido de restabelecer a possibilidade de cassação de mandatos pelo poder militar então instituído. Mas, o importante em que quero me concentrar é dizer que estamos buscando passar a limpo também no aspecto justiça. É fundamental, e essa consideração a Corte Interamericana teve em conta, que, ao analisar a validade da Lei da Anistia de 1979, a Corte entendeu que essa lei é nula de pleno direito no que se refere a anistiar agentes do Estado. E por que ela é nula de pleno direito? Porque não se concebe uma lei criada por autores que cometeram crimes para se autobeneficiar. Por um aspecto, a Corte Interamericana entendeu que não pode existir lei de autoanistia no continente americano.

Em segundo lugar, ainda que não fosse lei de autoanistia para os próprios agentes que pensaram aquela redação e assim querem interpretar, não pode haver anistia de crime grave contra direitos humanos ou crime de lesa-humanidade, vale dizer: sequestro, desaparecimento forçado, tortura. Esses crimes atrozes que não maltratam apenas as vítimas, aqueles que são diretamente vitimizados, mas toda a humanidade diante do terror dos atos praticados, pior, em nome e com as forças do Estado.

Por isso, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, já em novembro de 2010, ao analisar a validade da Lei da Anistia entendeu que ela não pode continuar a surtir efeitos no Brasil, aliás, na linha jurisprudencial que já vinha adotando em relação a outros países. Com a contribuição, aliás, de um juiz brasileiro que me precedeu, Juiz Antônio Augusto Cançado Trindade, que hoje é Juiz na Corte de Haia. Cançado Trindade foi um dos mais ativos juízes na busca de processamento, julgamento e punição daqueles que cometeram crimes graves contra direitos humanos, quer no Peru, no Chile, enfim, em diversos países da região – Guatemala, El Salvador – de forma que foi-se consolidando uma jurisprudência que permitiu chegar ao caso Guerrilha do Araguaia em que, por unanimidade, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, por oito votos – porque eram sete titulares e mais a minha presença como juiz ad hoc –, entendeu que a Lei da Anistia não pode continuar valendo. Essa interpretação, Sr. Presidente, Sras. Vereadoras, Srs. Vereadores, senhoras e senhores, é uma interpretação que decorre da Convenção Americana sobre direitos humanos, também conhecido como Pacto de São José da Costa Rica, livremente assinado, ratificado pelo Brasil. Portanto, conforme já entendeu o Supremo Tribunal Federal, é uma norma, é uma lei de caráter superior, acima mesmo das leis ordinárias federais, que, por enquanto, pela compreensão do Supremo atualmente, está apenas abaixo da Constituição, mas é válida e exigível imediatamente. Foi interpretando a Convenção Americana de Direitos Humanos que se decidiu, dentre os marcos necessários para cumprir essa determinação de invalidar a Lei da Anistia, que se conduzisse eficazmente, perante a jurisdição ordinária, não militar, diga-se, a investigação penal dos fatos a fim de esclarecê-los, determinar responsabilidades e aplicar, efetivamente, as sansões e consequências que a lei assim preveja e realizar todos os esforços para determinar o paradeiro das vítimas desaparecidas, e, se for o caso, identificar e entregar os restos mortais a seus familiares – trabalho que vem sendo exercido pelo Grupo de Trabalho Araguaia. Tipificar o delito de desaparecimento forçado de pessoas, que ainda não está tipificado no Brasil. Então precisamos editar uma lei específica, embora não haja dificuldade de realizar a punição por outros crimes conexos a esses.

Gostaria, Sr. Presidente, de encerrar reafirmando a minha honra em participar deste momento aqui na Câmara Municipal de Porto Alegre, uma cidade que há muito me é tão grata, de celebrar, sim, nesses 50 anos do golpe, a liberdade democrática que hoje vivemos, a liberdade de agir, de legislar, de falar, de expressar ideias, de investigar, de julgar e punir quem quer que seja, especialmente por crimes graves contra direitos humanos que a humanidade não pode tolerar, a humanidade não pode esquecer. E, por isso, a Jurisdição Internacional garante que esses crimes não podem prescrever e não podem ser anistiados. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisado pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Professor Garcia): Obrigado, Dr. Roberto Caldas. O Sr. Ivan Cláudio Marx, Procurador Federal, está com a palavra.

 

O SR. IVAN CLÁUDIO MARX: Boa-tarde a todos. Gostaria de agradecer pelo convite, principalmente ao Ver. Alberto. Eu acho fundamental este espaço, este momento para falarmos sobre o tema. Quero agradecer por esta oportunidade de participar com tão ilustres colegas de Mesa – o Dr. Roberto Caldas, o José Carlos Moreira – em que se juntam aqui vários protagonismos diferenciados na efetivação do direito à justiça, à verdade e à memória no Brasil. Gostaria de lembrar que o Rio Grande do Sul tem alguns protagonismos, nós temos atividades interessantes da sociedade aqui: temos aqui o Raul Ellwanger, representante do Comitê Carlos da Ré; temos o Movimento Justiça e Direitos Humanos, do Jair Krischke. Essa iniciativa do Legislativo Municipal é muito interessante em devolver, mesmo que simbolicamente, o direito aos cassados. Isso vem não a refazer a história, mas a relembrar e, de alguma forma, fazer o mínimo de justiça.

Nós temos o protagonismo da Comissão de Anistia no Brasil, que vem fazendo um trabalho excelente, principalmente a partir de 2008, neste tema em que o Professor José Carlos é o Vice-Presidente, um dos representantes aqui.

Nós temos o protagonismo da Corte Interamericana de Direitos Humanos, representada agora pelo Dr. Roberto Caldas, em que, na época, num excelente voto, como juiz ad hoc, se considerou que a Lei da Anistia brasileira era totalmente inconvencional e inaplicável para qualquer situação jurídica no Brasil.

E, por fim, o protagonismo do Ministério Público Federal. Eu pretendo apenas contar-lhes um pouco das nossas atividades para que tenham uma noção do que a gente vem realizando e de como a sociedade civil pode e deve nos ajudar nas suas variadas formas.

Nós temos um protagonismo, aqui no Rio Grande do Sul, por ter sido a primeira investigação por crimes da ditadura pelo Ministério Público Federal em 2008, em Uruguaiana, justamente por sequestro de argentinos, na época em que fui Procurador naquela cidade.

Posteriormente, em 2009, tivemos investigações na região do Araguaia. E, com isso, após a decisão da Corte Interamericana, a 2ª Câmara Criminal, que é coordenada pela Dra. Raquel Dodge, resolveu criar, então, um grupo específico para tratar desses crimes, que é o Grupo de Trabalho Justiça de Transição, que eu coordeno nacionalmente, com o objetivo de contatar todos os Procuradores da República que teriam atribuição para processar crimes contra a humanidade e subsidiá-los com doutrina, com trabalho físico mesmo, com auxílio nas oitivas, na concatenação das investigações e possibilitar o andamento dessas ações penais. Com isso, dando cumprimento à sentença da Corte Interamericana, nós ingressamos, em março de 2012, com a primeira ação penal por cinco sequestros no Araguaia, contra o conhecido Major Curió, que, depois, foi intendente da Serra Pelada. Quando surgiu o movimento dos sem-terra no Rio Grande do Sul, o Major Curió foi chamado para tentar contê-lo, e, após usar as suas táticas de cercamento e passar mais de um mês aqui, acabou desistindo, ou seja, não suportou a teimosia gaúcha, surgindo aquela frase célebre “em terra de quero-quero, curió não canta de galo”.

Posteriormente, ingressamos com mais sete ações penais. Então, nós temos oito ações penais já, entre São Paulo, Rio de Janeiro e o Araguaia por crimes de sequestro, crime de ocultação de cadáver e crime de tentativa de homicídio, que foi o famoso caso Riocentro, que, para aqueles que não sabem, teria sido o maior atentado da América Latina, quando a ala mais ferrenha da direita queria fazer um atentado jogando a culpa nos movimentos de esquerda, e, com isso, endurecer, uma vez mais, a ditadura militar, que nessa época vinha falando em distensão lenta e gradual.

Então, em 1981, tivemos essa tentativa de atentado – por sorte as bombas estouraram antes, matando um militar –, que envolveria um show de rock no Riocentro, em que estariam em torno de 20 mil pessoas, inclusive importantes artistas brasileiros, como Gilberto Gil e Caetano Veloso. Esse teria sido o maior atentado da América Latina.

Além disso, tivemos alguns revezes, também, no Ministério Público Federal, com arquivamentos que, de fato, entendo que não correspondam à melhor atitude do Ministério Público Federal, mas toda instituição caminha tentando progredir. E foi o próprio Ministério Público Federal que arquivou a investigação penal do João Goulart, inclusive está aqui o seu neto Christopher, que há muito trabalha com esse tema. E em razão disso, havendo uma impossibilidade, naquele momento, de conseguir um desarquivamento para enfrentar essa, digamos, coisa julgada, eu acabei solicitando que a Argentina o investigasse – eu fiz isso como cidadão estrangeiro; então, temos uma investigação penal, na Argentina, onde faleceu o João Goulart. Mas nós temos, aqui em Porto Alegre, com a colega Suzete Bragagnolo, a investigação cível para tentar apurar o que aconteceu e esclarecer a verdade, onde foi feita inclusive a exumação, junto com a Secretaria de Direitos Humanos e a Comissão da Verdade.

Ultimamente, nós estamos tentando, até a partir de uma representação que eu recebi do Movimento de Justiça e Direitos Humanos daqui de Porto Alegre, criar um procedimento, em Porto Alegre, para conseguir o tombamento da Ilha do Presídio. E nesse sentido eu estava conversando também com o Raul para tentarmos fazer algo no mesmo sentido para o Dopinha. São medidas necessárias para esclarecer, para que a população saiba o que realmente aconteceu, para devolver a dignidade a esses locais e transformá-los – locais antigos de tortura – em espaços de memória, para que se relembrem esses fatos e com isso, dentro do possível, se tente impedir – porque não há como impedir de fato – que esses acontecimentos tornem a ocorrer.

Por fim, eu gostaria só de aclarar para vocês o que entendemos por crime contra a humanidade, que é o que norteia as nossas investigações, para demonstrar que esses crimes são muito suscetíveis de prescrição e suscetíveis de anistia. O crime contra a humanidade é aquele que fere o ser humano como animal político. Então, quando se tem um Estado em que cada ser humano abre mão de parcela de sua soberania, em troca dessa parcela da nossa individualidade que entregamos, o Estado nos garante proteção e outras assistências, inclusive frente à criminalidade, fazendo trabalho de contenção do crime e de investigação posterior. No entanto, quando é o próprio Estado que, desvirtuando todo esse sistema, pratica esses crimes ou permite que esses crimes sejam cometidos com o seu apoio, nós estamos dentro de uma total desvirtuação do conceito de vida em sociedade, e o ser humano é atingido, então, como um animal político, porque ele não tem mais, politicamente, nenhuma forma de proteção. Com base nisso, também surge uma outra teoria que nós utilizamos para dizer que a prescrição frente aos crimes cometidos pelo Estado, com o seu apoio, só começa a ocorrer quando o Estado realmente foi redemocratizado e os impedimentos legais não existem mais. Imaginemos os crimes cometidos durante a ditadura no Brasil em que, cometidos desde o próprio Estado por seus agentes, eles obviamente não eram punidos, porque o estado não queria se autopunir. Posteriormente, eles criam uma autoanistia que impede a investigação desses crimes, para depois alegarem que os crimes estão prescritos. Então, nesse entendimento, que já foi utilizado, inclusive pela Suprema Corte do Chile, a prescrição só começa a ocorrer quando a possibilidade de punição é contingente, ou seja, quando definitivamente afastada a Lei da Anistia nesses países, o que no Brasil somente poderia ser considerada a partir da decisão da Corte Interamericana em 2010.

Dessa forma, esses são alguns dos critérios que nós utilizamos, essas são algumas das matérias com as quais temos trabalhado, assim como, também dando cumprimento à decisão da Corte Interamericana, nós entendemos que a simples presença de dois Procuradores da República em Marabá para investigar toda a guerrilha do Araguaia era insuficiente, e criamos uma força tarefa chamada força tarefa Araguaia com mais sete colegas; estamos, então, entre nove colegas investigando os crimes ocorridos na guerrilha, que envolveram em torno de 68, 70 esquerdistas, por eles chamados de guerrilheiros, com a intenção de esclarecer o que aconteceu, localizar os restos mortais também, mas principalmente punir os crimes cometidos.

Desta forma, Sr. Presidente, encerro esta prévia exposição que tem mais o sentido de explanar um pouco sobre o que o Ministério Público Federal vem fazendo, sobre quais as nossas possibilidades de auxiliar a justiça transicional brasileira e solicitando, como sempre fazemos, a toda sociedade que nos procure, que nos relate casos, nos auxilie com a identificação de centros de memória para serem tombados e criados locais de memorialização, de forma que esta instituição está aberta a qualquer tipo de auxílio para que essas coisas sejam esclarecidas e não mais se repitam. Obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisado pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Professor Garcia): Muito obrigado. Convido agora, para fazer seu pronunciamento, o Sr. José Carlos Moreira da Silva Filho, Conselheiro da Comissão Nacional de Anistia.

 

O SR. JOSÉ CARLOS MOREIRA DA SILVA FILHO: Sr. Presidente, Sras. Vereadoras, Srs. Vereadores, inicialmente, eu quero enaltecer esse gesto nobre desta Casa, de reconhecer a legitimidade dos mandatos que foram cassados pela ditadura civil militar brasileira em 1964. Quero cumprimentar particularmente a atuação e o empenho do Ver. Alberto Kopittke, para que este evento acontecesse hoje. Quero cumprimentar especialmente o Raul Ellwanger, que aqui está, que coordena com tanto brio e valentia as ações do Comitê Carlos de Ré da Verdade e da Justiça. Quero fazer um cumprimento especial ao Ver. Christopher Goulart, que aqui está, neto de Jango, o Presidente que queria colocar em prática tantas reformas importantes e necessárias para o nosso País e que teve a coragem de assumir esse desiderato naquele momento histórico, eleito inclusive com um número maior de votos que o próprio Presidente Jânio Quadros e que, vergonhosamente, foi destituído do seu cargo legítimo quando ainda estava no País, de forma totalmente inconstitucional.

Quero cumprimentar meus colegas de Mesa, Dr. Roberto Caldas, nobre Juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que teve uma atuação fundamental tão importante nessa ação que ficou conhecido como caso Araguaia, que fez um voto brilhante como juiz ad hoc, que disse com todas as letras o que estava em jogo naquela causa, que era a análise e a possibilidade de responsabilização de crimes de lesa-humanidade que o nobre Procurador Ivan Marx tão bem explicou para todos nós. Quero, também, na pessoa dele, cumprimentar o trabalho que vem sendo feito pelo Ministério Público Federal, pelo grupo Justiça de Transição, que recentemente, num evento histórico ocorrido na cidade do Recife, de 10 a 14 de março deste ano, um evento coordenado pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, veio, juntamente com seus colegas, colocar a público – me parece que pela primeira vez num evento dessas dimensões, com familiares de mortos e desaparecidos políticos, acadêmicos de 16 países ali presentes, estudantes, professores –, veio colocar claramente para a sociedade brasileira quais são os esforços, as teses, as ações que estão em curso para responsabilizar os crimes da ditadura civil militar brasileira, trazendo inclusive em primeira mão detalhes da investigação do caso Riocentro, que é um caso anômalo na nossa história, porque sob a desculpa da Lei de Anistia, que foi editada em 1979, foi impedido de ser investigado, de ser esclarecido e de se estabelecer as responsabilidades. Ou seja, nós temos uma anistia realmente bem peculiar, na medida em que ela não só funcionou para trás, mas também para frente, para anistiar crimes que aconteceram mesmo depois da sua edição. Quando nós falamos, portanto, em memória, verdade e justiça, estamos falando de três assuntos que não podem ser dissociados. E esse é o espírito que coordena a ideia da justiça de transição. Nós falamos em reparação, em verdade, em memória, em justiça, em reforma das instituições de segurança, mas de uma tal forma que não é possível separar todos esses elementos, indispensáveis para um aprofundamento democrático.

Quando pensamos na memória, devemos primeiramente assumir que não há assunto mais atual do que a memória. O futuro nos parece ainda indefinido. Nós podemos projetar uma série de planos, uma série de possibilidades, mas o passado, a experiência política que nós tivemos e que alimenta o presente que estamos tentando construir, este é bem concreto, não só naqueles episódios de violência, de injustiça, de pusilanimidade, mas também naqueles sonhos, naqueles projetos, naqueles planos que ficaram pelo caminho. Pensar no passado é algo perigoso sob o ponto de vista político, mas necessário. É perigoso por quê? Porque coloca em cena novamente a possibilidade de projetos e de ações que nos remetem à ideia de origem e não à ideia de um início que se perdeu no passado. E a origem nos remete à ideia de fonte, como algo inesgotável, como algo rico, que produz, que alimenta, que inspira as nossas ações. Nós aprendemos com os nossos antepassados, com a nossa história de sofrimento e com a nossa história de coragem e de resistência. Então, quando invocamos essa memória e esse ingrediente político, nós devemos também ter a coragem de trazer à tona uma verdade. A verdade que, aqueles se opuseram contra a ditadura militar instaurada no Brasil em 1964, não eram terroristas, não eram sequer criminosos políticos, porque, se nós pegarmos uma obra muito importante de um jurista como Heleno Cláudio Fragoso, chamada Terrorismo e Criminalidade Política, ele vai dizer com todas letras, com que eu concordo inteiramente, que o crime político é aquele praticado contra um estado democrático, um estado legitimo e não um estado ditatorial usurpador, como reconheceu recentemente o nosso Congresso Nacional ao declarar nula aquela Sessão que disse que estava vaga a presidência da república com o Presidente João Goulart ainda no País. Ao tomar essa decisão, o Congresso Nacional também disse o seguinte que todos aqueles que assumiram a Presidência da República após esse episódio, não podem ser considerados Presidentes, mas, sim, ditadores, usurpadores do poder legitimo. Isso é fundamental que se diga e que se reconheça. E aí, meus amigos e minhas amigas, não estamos falando do passado nostálgico, estamos falando do início, estamos falando da origem de um Estado Democrático de Direito. Nós precisamos voltar a pensar nos princípios políticos do nosso País, para que tenhamos algum futuro político neste País. Nós precisamos nos alimentar novamente daqueles valores que são indispensáveis para uma democracia e com relação os quais nós não podemos tergiversar; temos que reconhecer, portanto, que aqueles que se opuseram ao um estado autoritário, ilegítimo, usurpador, exerceram o seu legítimo direito de resistência. Nesse ponto, eu até discordo um pouco da terminologia que foi utilizada na ação movida diante do Supremo Tribunal Federal pelo Conselho Federal da OAB, dizendo duas coisas que eu acho que nós temos que repensar, porque estaremos utilizando os termos da ditadura, dizendo, primeiro, que aqueles que foram perseguidos políticos teriam cometido crimes políticos. Eu entendi a estratégia, a ideia era dizer que, então, eles estavam alcançados pela Lei de Anistia de 1979. Mas, de fato, nem mesmo crime político eles cometeram, eles exerceram o direito de resistência. E do mesmo modo, aqueles que atentaram contra o Estado Democrático de Direito não cometeram crimes comuns. Eu entendi a estratégia, a ideia era dizer crimes comuns, para dizer que não estavam alcançados pela Lei de Anistia, que, portanto, nem sequer conexos poderiam ser. Mas eu digo aos senhores, esses crimes são aquilo que o Juiz Roberto Caldas e o eminente Procurador Ivan Marx aqui disseram: são crimes de lesa-humanidade, são crimes imprescritíveis, e eu diria até mais uma coisa, são crimes incestuosos porque quando o Estado, que tem a missão de proteger e zelar pelo bem-estar de seu cidadãos, investe contra esses próprios cidadãos, ele está violando um dever básico da sua existência que é o de proteger esses cidadãos e em uma situação ainda pior porque quando o Estado se volta contra os cidadãos, quem vai dar proteção, guarida para esses que são perseguidos? Somente um outro Estado que os acolha. E isso aconteceu com muitos brasileiros e brasileiras que tiveram que sair do País – alguns até não voltaram –, que tiveram que conduzir as suas vidas em uma outra situação, longe da sua pátria, longe dos projetos que tinham para o País. Então, quando falamos em verdade, nós temos que reconhecer esse fato. Não havia nenhuma ameaça concreta ou real de que houvesse uma tomada de poder pelas armas naquele momento. Aliás, havia sim. O único grupo que tinha a condição e intenção de fazer isso o fez, aqueles militares golpistas e os setores da sociedade civil que os apoiaram. Mas houve militares que disseram não. Houve aqueles que respeitaram o que estava escrito na Constituição, que foram fiéis ao Comandante das Forças Armadas, que era o Presidente da República, e que estavam ao seu lado para resistir se fosse necessário. Um grande cineasta como Silvio Tendler, também com o apoio da Comissão de Anistia, fez um belo filme a respeito desse tema que começará a ser exibido inclusive aqui na nossa Cidade a partir da semana que vem e será exibido na TV Brasil, em cinco episódios, a partir das 23h30 na semana que vem. Não percam. Eu acredito que esse documentário deveria passar em todas as academias militares do nosso País porque – eu não hesito em dizer isso – é um dos aspectos mais difíceis da nossa sentença, da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de ser hoje efetivamente cumprida. Nós temos condições de termos uma formação sólida, ampla e generalizada nas Forças Armadas em todos os níveis em prol dos Direitos Humanos. Nós temos que ter uma posição institucional das nossas Forças Armadas, reconhecendo o erro que foi ter dado aquele golpe naquele momento, ter mergulhado o País em 21 anos de ditadura, de prisões, de torturas que começam a aparecer mais claramente para toda a sociedade a partir dos trabalhos importantíssimos da Comissão Nacional da Verdade e que estão estarrecendo a muitos que achavam que isso não acontecia ou que não ocorreria.

Gente, negar que houve a tortura é cometê-la novamente. É extremamente cruel e perverso o negacionismo, porque ele tortura, mais uma vez, não só as vítimas diretas da tortura, mas toda a sociedade, porque aqueles que estiveram na linha de frente e tentaram resistir representam toda a sociedade, porque toda a sociedade foi atingida: suas liberdades, suas instituições, sua legislação, as suas forças de segurança, o Poder Judiciário. Nós vivemos essa herança até hoje, nós temos sérias dificuldades de aprofundamento democrático em função disso, dessa longa herança autoritária que o Brasil recebeu.

Está mais do que na hora de nós olharmos de frente esse passado, assumindo tudo o que aconteceu, tudo o que veio, tudo o que ocorreu, porque é só assim que nós vamos conseguir superar os nossos problemas. Se nós acharmos que isso é uma coisa que pertence ao passado, no sentido de que não vale a pena voltar a isso, estaremos simplesmente repetindo os velhos problemas, estaremos correndo seriamente o risco de repetir a história, porque não fizemos o necessário dever e o exercício de memória.

Eu vou finalizar a minha manifestação compartilhando aqui com vocês um trabalho excelente que foi feito pelo Comitê Carlos de Ré, no sentido de subsidiar a Comissão Nacional da Verdade, no que se refere a recomendações que o relatório final dessa Comissão fará para a sociedade brasileira.

O Comitê Carlos de Ré apresentou algumas sugestões, as quais eu também assino em baixo, que valem para toda a nossa sociedade – talvez, a Comissão Nacional da Verdade seja um espaço importante para que essas recomendações apareçam. Primeiro: listar e descrever todas as modalidades e circunstâncias particulares das graves violações de direitos humanos praticadas pelo aparato repressivo e institucional da ditadura civil militar brasileira, caracterizando esse conjunto de maneira explícita como crime de lesa-humanidade, praticado pelo Estado e que, para serem praticados, deflagram e perpetuam de modo amplo o terrorismo de Estado na nossa Cidade. Segundo: orientar o Estado brasileiro, incluindo-se aí os seus três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário a cumprir integralmente a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso da Guerrilha do Araguaia. Pois como se não bastasse o dever jurídico de obedecer às determinações da Corte Internacional, vislumbra-se que as diferentes determinações estabelecidas na sentença apontam para ações indispensáveis para uma necessária reforma das instituições democráticas ainda não devidamente expurgadas das máculas que a perversão autoritária ditatorial lhes deixou. Dentre essas deliberações, destacam-se: a) investigação penal e correspondente responsabilização dos agentes públicos que praticaram crimes de lesa-humanidade, os quais, por força de sua definição da legislação e do costume internacional e pelo entendimento da jurisprudência das cortes internacionais de direitos humanos, são insuscetíveis de graça ou anistia e são imprescritíveis; b) tipificação legal do crime de desaparecimento forçado e utilização de todos os recursos jurídicos domésticos e internacionais para a responsabilização pelos crimes de desaparecimento forçado já praticados, como, inclusive, já vem sido sugerido e indicado por diversas ações penais que o Ministério Público Federal tem iniciado no Brasil, desde a divulgação da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso Araguaia; c) implementação de modo obrigatório e permanente, em todos os níveis das forças armadas brasileiras, com ênfase especial para o oficialato, de programas de formação em direitos humanos, devendo-se proceder a uma ampla revisão dos padrões de ensino e dos livros didáticos utilizados nas diversas escolas e academias militares, sobretudo na Escola Superior de Guerra e na Academia Militar das Agulhas Negras, ainda reféns de uma visão apologética do golpe e da longa ditadura que a ele se seguiu; d) ampliação, intensificação e continuidade das ações e dos esforços necessários para que se proceda à localização dos restos mortais dos desaparecidos políticos brasileiros. Terceiro – explicitar que os valores e princípios insculpidos na Constituição Republicana de 1988 são incompatíveis com a anistia a crimes de lesa-humanidade. O que fica claro diante do reconhecimento formal do princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito brasileiro, da prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais, da condição de ser insuscetível de graça ou anistia a prática da tortura, e, sobretudo, porque a Constituição só trata de anistia com relação aos que foram perseguidos políticos pelo Estado brasileiro, e não aos agentes públicos que os perseguiram. Está lá no art. 8º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Quarto – descrever de um modo amplo e minucioso toda a complexa estrutura repressiva montada pela ditadura, com ênfase especial à identificação das diversas instituições e órgãos públicos envolvidos, bem como das cadeias de comando e das relações horizontais estabelecidas em todos os níveis, especificando, do modo mais completo possível, os nomes de todos os agentes públicos envolvidos. Quinto – com base no diagnóstico do item anterior, recomendar a realização de expurgos administrativos, procedendo à exoneração dos servidores públicos civis e militares envolvidos e vedando a possibilidade de novos vínculos com o serviço público em todos os seus níveis. Sexto – recomendar, igualmente, a partir do diagnóstico construído a respeito da cadeia repressiva, a necessária reforma das instituições públicas, com ênfase especial para o Poder Judiciário, as Forças Armadas e as forças policiais brasileiras. Sétimo – recomendar a urgente desmilitarização das polícias brasileiras e da implementação de um amplo e reformulado programa de formação e orientação profissional de todos os policiais brasileiros, estabelecendo com clareza inequívoca que a formação, o treinamento e a lógica militar devem ficar restritos à dimensão dos conflitos internacionais, jamais podendo ser estendidos para as ações de policiamento, de combate à criminalidade e de garantia à segurança pública dos cidadãos da sociedade brasileira. Oitavo – apoiar e endossar as ações e os esforços que o Ministério Público Federal vem realizando no sentido da responsabilização penal e civil dos agentes públicos que praticaram crimes de lesa-humanidade, da investigação em torno do esclarecimento dos fatos que cercam as diversas violações de direitos humanos e da responsabilidade civil do Estado brasileiro frente a essas violações. Nono – recomendar a ampliação do apoio público e institucional, com destinação de verbas e estruturas condizentes ao funcionamento e ao trabalho da Comissão de Anistia e da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, tanto em suas atividades voltadas à reparação econômica e material das vítimas da ditadura, como às ações de reparação moral e simbólica e do resgate social, institucional e cultural da memória política do País. Décimo – recomendar a intensificação e a ampliação dos esforços e diligências para que se proceda à abertura de todos os arquivos públicos relacionados ao período da ditadura civil militar brasileira, com ênfase especial para os arquivos secretos constituídos pelas Forças Armadas; descrever toda cadeia civil, empresarial e midiática de apoio à ditadura, bem como as relações horizontais e verticais estabelecidas, identificando-se, da maneira mais ampla possível, os nomes e as ações dos envolvidos; reforçar as ações e diretrizes já previstas no III Plano Nacional de Direitos Humanos, no eixo orientador VI, especialmente o financiamento para a construção de centros de memória e de monumentos e obras que sinalizem para a não repetição de crimes de lesa-humanidade e para o reconhecimento dos que foram praticados; intensificação e ampliação de políticas e ações educacionais que garantam, nos padrões de ensino, em livros didáticos voltados ao ensino em todos os níveis, o devido registro da história de violações, abusos e arbitrariedades praticados pela ditadura, bem como das ações e organizações de resistência a ela; produção de leis e normas que proíbam a utilização de nomes de agentes da ditadura em logradouros, monumentos e prédios públicos, bem como a alteração dos nomes já utilizados; recomendar que o Congresso Nacional proceda a uma ampla revisão da legislação autoritária constituída na ditadura, e que ainda continua em vigor, nos mais diferentes setores, com ênfase especial a Lei de Segurança Nacional, que deve, simplesmente, ser revogada, e a legislação que estrutura o funcionamento interno das Forças Armadas, das Polícias e da própria Administração Pública; recomendar ao Congresso Nacional que realize uma reforma política que diminua substancialmente a possibilidade do financiamento privado de campanhas, criando-se melhores condições para que as demandas e necessidades das classes populares possam ser atendidas; afirmar que as ausências até hoje de sanções penais efetivas contra os torturadores é fonte de renovação da violência estatal atual; afirmar que a impunidade dos piores criminosos da nossa História, tentativamente renovada por juízes e tribunais, é fonte permanente de tensões e conflitos na sociedade brasileira; declarar inaceitável que centenas de brasileiras e brasileiros tenham negado o seu direito de conhecer a verdade, os fatos, os agentes, o destino e o luto de familiares seus, como resultado planejado de ação, omissão e ocultação do Estado; e, por fim, dizer que o conjunto dessas medidas é que poderá gerar a conscientização cidadã em prol do nunca mais, no ambiente republicano, democrático e de soberania popular.

Desculpe se me estendi um pouco mais, Sr. Presidente. (Palmas.)

 

(Não revisado pelo orador.)

 

(O Ver. Mauro Pinheiro assume a presidência dos trabalhos.)

 

O SR. PRESIDENTE (Mauro Pinheiro): Só para lembrar, nós estamos, então, no período de Comunicações, com o tema específico: Memória, Verdade e Justiça. Escutamos o Sr. Juiz e Vice-Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Dr, Roberto Caldas; o Sr. Procurador Federal, Dr. Ivan Cláudio Marx; e o Sr. Conselheiro da Comissão Nacional de Anistia, o Professor José Carlos Moreira da Silva Filho. Agora, abrimos as inscrições para os Vereadores que queiram se pronunciar até o tempo de cinco minutos, com apartes.

O Ver. Clàudio Janta está com a palavra em Comunicações.

 

O SR. CLÀUDIO JANTA: Sr. Presidente, Ver. Mauro Pinheiro; membros desta Mesa, eu quero dizer que, para os trabalhadores brasileiros, nós estranhamos quando algumas pessoas tentam dizer que não vivemos um outro momento no País, tentam esconder este momento. Muitas vezes, na minha adolescência, quando militei num partido de esquerda – aliás, nem existia partido naquela época, fui militante ativo do Movimento Revolucionário 8 de Outubro, depois virei dirigente dessa agremiação –, tínhamos que esconder onde morávamos, tínhamos que esconder onde trabalhávamos e tínhamos dificuldade até de convidar alguém para uma assembleia, para uma reunião de movimento sindical, de pauta de reivindicações. Todas as nossas entidades sindicais sofreram intervenção. Quando um dirigente sindical exercia um papel um pouquinho mais diferenciado, e não precisava nem ser muito ativo, era automaticamente afastada toda a Diretoria e vinham os interventores. Realmente, nós vivemos anos de chumbo. Eu me lembro muito bem da dificuldade que tínhamos de entregar o jornal Hora do Povo, que era o material que nós usávamos para enfrentar a ditadura, lembro da ameaça que havia de as bancas receberem bombas, de os donos de bancas que botavam esses jornais serem presos, o que nos levava para a Rua da Praia, hoje Esquina Democrática da nossa Cidade, a vender esse jornal e muitas vezes saindo dali com a certeza de que para as nossas casas nós não voltaríamos e muitas vezes temendo até que não pudéssemos voltar para aquela esquina e que muitas pessoas nós não pudéssemos ver.

Acho que essa memória ativa tem que ficar junto no Brasil, nós não podemos jamais voltar a esses tempos, não podemos jamais voltar a esses momentos. E o exemplo claro é o que, hoje em dia, a gente tem na democracia, e esta Casa é um exemplo disto, quando, nesta tribuna, sobem representantes dos trabalhadores, representantes dos empresários, representantes do funcionalismo público, representantes de todas as classes. Nós somos 36 Vereadores aqui dentro, cada um com a sua representação, cada um mantendo um respeito mútuo, sem, em nenhum momento, ameaçar o bem maior que as pessoas têm, que é a vida. Esses momentos que nós vivemos neste País foram momentos negros, momentos de chumbo, e eu acho que realmente não dizem que foi ditadura – há pessoas que relutam em dizer que era uma ditadura – porque não esperaram 20 anos para poder falar o que pensam, não esperaram 20 anos para poder reivindicar, não esperaram vinte anos para poder parar uma empresa; não esperaram vinte anos para poder assinar um acordo de PLE; não esperaram vinte anos para ter delegados sindicais; e não esperaram vinte anos para assumir o seu próprio nome. Vários companheiros usavam pseudônimos, várias pessoas, quando descobrimos o nome, estanhavam: o teu nome é esse? Então, eu acredito que esses momentos jamais poderão voltar ao nosso País. Acho que todos nós temos o papel importantíssimo de lutar pelo que temos hoje em dia: a democracia, o direito de falar, o direito de eleger, o direito de dizer e o direito de reivindicar. Isso, em hipótese nenhuma, nós podemos perder. E quando um grupo assume um poder, tendo somente 20% de um apoio que não existia, isso é uma ditadura; isso é uma ditadura mesmo. Se fosse uma revolução, o povo tinha ido para a rua. Se fosse uma revolução, o povo tinha pegado em armas. Revolução é quando o povo pega em armas; quando o exército que pega em armas é uma ditadura, é uma imposição, porque muitas vezes nós estamos com o bodoque, muitas vezes nós estamos com pedra e pedaço de pau, enquanto as armas, os armamentos estão lá. E o exemplo disso é o Vietnã, agora mesmo, por que os Estados Unidos não brigam com a Rússia? É de igual para igual, não tem a discrepância que existe em outros países que eles invadiram. Então, quando a gente está em desigualdade, realmente um ser superior, um ser em condições maiores, estaria lutando contra a gente.

Realmente, eu acho que ditadura, nunca mais. Ditadura, neste País, não tem mais espaço. Este País é uma democracia, e nós vamos lutar e dar a nossa vida por essa democracia. Muito obrigado.

 

(Não revisado pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Mauro Pinheiro): A Ver.ª Sofia Cavedon está com a palavra em Comunicações.

 

A SRA. SOFIA CAVEDON: Sr. Presidente Ver. Mauro Pinheiro, quero iniciar cumprimentando o nosso colega de Bancada, Alberto Kopittke, dizendo que ele nos representou muito bem nessa organização, a Bancada do PT, nesses dois momentos emblemáticos. O primeiro, no reconhecimento político e na continuidade da manutenção da memória e da presença viva dos heróis, dos lutadores desta Cidade, daquele período. E agora, neste momento, de uma Mesa com uma densidade e uma coragem, uma juventude surpreendente, que honra aquela geração. Quero fazer este primeiro registro, ao cumprimentar o Dr. Roberto Caldas, o Dr. Ivan Cláudio Marx e o Professor José Carlos Moreira da Silva Filho. Surpreendi-me – comentava com o Kopittke – com a juventude, em especial o Dr. Ivan Cláudio, que já é Procurador e já com tantas ações importantes, porque há uma grande parte da nossa geração alienada pela grande mídia em especial, que desconhece, não sabe, não tem noção de quanto custou conseguirmos viver nos tempos de democracia. Às vezes, alguns repetem ingenuamente que no tempo da ditadura era melhor, porque tinha segurança. Quando a gente vê uma geração de professores, de representantes políticos, essa influência na Corte Interamericana, que honra o nosso Brasil, Dr. Roberto, a gente sabe que este País não voltará atrás. Quero dizer que essa Mesa testemunha isso, apenas com um pequeno reparo, Ver. Alberto Kopittke, de que nós precisávamos ter mulheres nessa Mesa também. Quero aqui, nesse sentido, cumprimentar a Chris Rondon, uma jovem advogada que, logo, de certo, estará no lugar de vocês, com vocês, pelo seu brilhantismo, pela sua militância. A Chris, que coordena, junto ao Raul Ellwanger, o Comitê da Verdade de Porto Alegre. Eles militam e aqui coordenaram, obviamente, com muitos companheiros e companheiras, ações emblemáticas de desvelamento da ditadura nesta Cidade. Foram emblemáticas, belíssimas, quero aqui fazer de público o reconhecimento, porque a nossa Cidade muy leal e valerosa que foi, infelizmente, precisa, sim, reconhecer os seus espaços, os seus atores, quanto tem de dívida, com quem lutou, com quem resistiu e que está aí conosco, na nossa história.

O segundo ponto que quero tratar, acho que é muito importante. Um de vocês dizia: imagina que Brasil seria este, se tivesse feito as reformas do João Goulart. Não é só a penalização pessoal, a violência contra pessoas, contra famílias, contra uma geração, contra a liberdade de voz, da arte, mas um destino que se colocou no País, uma interdição que se colocou no País, que hoje nos permite, nos obriga a dizer que nós não conseguimos instalar a República neste País. Nós, na semana passada, tivemos, nesta Capital e neste Estado, quatro páginas do principal jornal formador de opinião deste País, dedicadas, consagradas, entregues a um torturador, o Ustra, e as manchetes e frases em evidência desse jornal quase liberavam, quase inocentavam o torturador Ustra. Então esse exemplo nos diz que as reformas de João Goulart teriam atingido a mídia. Nós temos ainda a apropriação pelas grandes famílias que sustentaram a ditadura militar da formação da opinião pública neste País. E isso é gravíssimo, um dos elementos que caracterizou o crime de Estado é que o Estado segue, lamentavelmente ainda, via nossa estrutura político-democrática liberal resultante da ditadura, da apropriação privada deste Estado, usurpando o poder do cidadão neste País! Nós temos minorias transformadoras – Ver. Mauro, para encerrar –, temos grandes maiorias, como diz Marcio Pochmann. Os nossos parlamentos são potencialmente golpistas no Brasil, são resultado ainda do poder econômico, do controle dos meios de comunicação, da concentração de terra, de renda e poder, lamentavelmente, para falar de uma reforma que teria transformado maravilhosamente nosso Brasil há 50 anos. Então, é imensa a dívida que tem conosco, com o povo brasileiro, os que praticaram os crimes da ditadura. Parabéns pela militância de vocês, que a democracia impere e se aprofunde. Violência e ditadura de Estado, nunca mais. (Palmas.)

 

(Não revisado pela oradora.)

 

O SR. PRESIDENTE (Mauro Pinheiro): Obrigado, Ver.ª Sofia Cavedon. A Ver.ª Jussara Cony está com a palavra em Comunicações.

 

A SRA. JUSSARA CONY: Sr. Presidente, Srs. Vereadores e Sras. Vereadoras, que ainda permanecem aqui, permitam-me iniciar complementando, até antes dessa Mesa, a presença do Raul Ellwanger e da Chris Rondon, que representam aqui o Comitê Carlos de Ré, da Verdade, Memória e Justiça, lembrando, na figura do Carlos de Ré, tantos e tantos militantes na luta contra a ditadura militar e pela redemocratização do nosso País. Quero dizer que são novos tempos que nós vivemos, e eu digo isso como uma militante diligente do Partido Comunista do Brasil, filha e neta de comunistas e que não vivi nenhum momento da minha vida a não ser junto ao meu Partido e por ele dirigida em clandestinidade, em redemocratização e neste momento atual em que vive o nosso País. E é exatamente dizendo isso que eu quero cumprimentá-los. Eu acho que nós vivemos novos tempos, e hoje, nesta Casa, nós vivemos um dia de emoção, de reparação, de reflexão, quando devolvemos os mandatos cassados pela ditadura e quando temos agora esta Mesa aqui. Aqui nesta tribuna nos trouxeram – para todos os democratas e para nós, do PCdoB – um momento de grande emoção também, que foi o Dr. Roberto Caldas, o Dr. Ivan Cláudio Marx – a gente já se conhece bem das lutas aqui – e o Professor José Carlos Moreira da Silva Filho. Quando nós temos oportunidade, nesta Casa, de dizer, através dos senhores, que é uma força-tarefa para descobrir, investigando os crimes cometidos no Araguaia, são novos tempos que vivenciamos. Durante muito tempo nós fomos considerados os lutadores, os revolucionários, todos aqueles que querem as liberdades democráticas e que não se dobraram a um regime de exceção, a uma ditadura militar. Quando nós ouvimos que os crimes cometidos contra esses lutadores estão sendo investigados, isso é fruto da luta do povo e é fruto dessa concepção e desse momento que as nossas instituições democráticas se voltam para as reparações necessárias a serem feitas, para que nunca mais aconteçam. Eu acho que o Sereno, hoje, disse, num momento importante aqui: “Nós temos que relembrar a história para que nunca mais aconteça”. Mas, mais do que relembrá-la, Ver. Kopittke, nós temos que dizer que temos orgulho dessa história! Temos orgulho de participar! Temos orgulho do povo brasileiro pelas lições de humanidade, pelas lições de companheirismo, de solidariedade que hoje até não vemos muito, mas que tivemos uns com os outros nesse processo! Eu cheguei a esta Casa, senhores, há 31 anos, como membro do Partido Comunista do Brasil, na clandestinidade, pela sigla que a todos acolheu – MDB e, depois, PMDB – e tive a oportunidade, quando exerci esse mandato, há 31 anos, em 1986, na luta, nas ruas com o povo brasileiro, porque nós não ganhamos o aval da nossa anistia, nós conquistamos, o PCdoB, a nossa legalidade nas ruas, na luta, no processo de enfrentamento da ditadura militar.

Em 1986, eu tive a oportunidade belíssima de construir a primeira Bancada do Partido Comunista do Brasil aqui nesta Casa. Era só eu, naquele momento, de Vereadora neste Estado. E foi um momento de muita grandeza, porque nós buscamos, o Partido e eu, aqui, reverenciar a figura de Julieta Battistioli, a primeira mulher Vereadora, e Elói Martins, o primeiro operário que entrou nesta Casa, que não puderam entrar em nome do seu Partido, o Partido Comunista do Brasil, tiveram que entrar por outras siglas por um processo histórico da maior parte do nosso Partido, que estava na clandestinidade. O nosso Partido, aliás, fez 92 anos anteontem. Estamos comemorando 92 anos de história.

Então, este é um momento, digo aos senhores, de muita emoção, porque fomos condutores políticos da Guerrilha do Araguaia, e nunca negamos isso. Fomos para o enfrentamento com a ditadura e, também, para o enfrentamento da luta de ideias para dizer por que a Guerrilha do Araguaia naquele momento. E os senhores estão reparando esta história, na medida em que o Brasil se abre para mais e mais democracia – e todos nós queremos mais.

Nesta Casa, eu presido a Frente Parlamentar pela reforma política, conduzida pela OAB, da qual estamos todos participando, pelas liberdades democráticas, por uma reforma política que, efetivamente, enfrente as questões de fundo, como o financiamento público de campanha, como as listas, onde nós mulheres não queremos mais ficar para cumprir cotas, mas queremos uma mulher e um homem, uma mulher e um homem, até começando pelas mulheres, porque somos maioria e temos um papel decisivo na luta emancipatória, pois, quando lutamos por nossa emancipação, nós lutamos pela emancipação do povo como um todo.

O Janta disse muito bem aqui: não venham para cima de nós com esta de que foi uma revolução. Revolução é quando o povo vai fazer a revolução e, se preciso, pegar em armas para fazê-la. Nunca negamos isso.

Eu fui eleita para esta Casa há 31 anos. As ruas de Porto Alegre ainda guardam alguns resquícios disso: “Jussara Cony, Vereadora, abaixo a ditadura!”. Obrigada por este momento que vocês dão de emoção a uma eterna líder. (Palmas.)

 

(Não revisado pela oradora.)

 

O SR. PRESIDENTE (Mauro Pinheiro): Obrigada, Ver.ª Jussara Cony, com certeza, não estou há muito tempo na Casa, já no meu segundo mandato, e acho que hoje, de muitas sessões importantes de que participei aqui, talvez tenha sido como um símbolo, uma das mais importantes de que participei neste Parlamento.

O Ver. Alberto Kopittke está com a palavra em Comunicações.

 

O SR. ALBERTO KOPITTKE: Ver. Mauro Pinheiro, presidindo a nossa Sessão; retorno à tribuna, já neste segundo espaço, antes de mais nada, para fazer alguns pedidos de desculpa. Na primeira fala, em razão do simbolismo e da força do momento, obviamente a minha juventude também fez com que eu acabasse cometendo um conjunto de equívocos em não citar pessoas, instituições, entidades. Eu quero, aqui, também deixar, antes de mais nada, o meu abraço à Ver.ª Jussara Cony. É irreparável esse erro que eu cometi, mas, de qualquer forma, foi fundamental toda a luta da Ver.ª Jussara e de outros companheiros também do PCB, do PCdoB. Quero citar também o Raul Ellwanger, que é um símbolo da nossa história. Também cito o Dirceu Messias, que é um amigo, lutador. O Messias tem uma história: ele, depois, foi preso no Chile, foi para o Estádio Nacional do Chile. Recentemente, ele voltou ao Chile, na descomemoração do golpe de lá, dos 40 anos; e não pode entrar no Chile novamente. Ele será recebido pela Presidente Bachelet, que, em nome do Estado chileno vai se desculpar com o Messias, um grande lutador do nosso País na luta pela liberdade. Saúdo também a Chris Rondon, e, em seu nome, todos os amigos do Fórum da Democracia, que reúne um conjunto de entidades. Há algumas pessoas aqui presentes com as quais fizemos várias reuniões, Ver. Márcio Bins Ely – que chega agora –, que antecederam este momento, que eu acabei também não citando devido ao nervosismo e à emoção do momento anterior. Agradeço também ao Ver. Mauro Pinheiro, que é nosso 1º Vice-Presidente, que foi peça fundamental na Mesa Diretora para que pudéssemos realizar os dois eventos de hoje, além da minha Bancada – Ver.ª Sofia Cavedon, Ver. Marcelo Sgarbossa e Ver. Engº Comassetto. Quero deixar um agradecimento também ao Ver. Clàudio Janta, ao Ver. Delegado Cleiton, que estão presentes até agora. Quero agradecer, de uma forma muito especial, a essas três pessoas que são referência, hoje, no Brasil e internacionalmente, na luta pela democracia. Algumas pessoas, Dr. Roberto Caldas – que veio de Brasília especialmente para nossa atividade – não têm a dimensão do que é a Corte Interamericana, do que é o Sistema Internacional de Justiça, por desconhecimento, por enquanto, dessa nova dimensão de luta pela justiça e pelas democracias no mundo, mas sua presença honra a nossa Casa. A sua trajetória como advogado militante nas casas de Brasília, nas supremas cortes brasileiras de justiça, o senhor que sempre esteve na defesa dos trabalhadores brasileiros, e com quem eu muito aprendi sobre advocacia e sobre luta pelos direitos humanos. Dr. Ivan Marx, um jovem brilhante que até me estimula a pensar na carreira do Ministério Público por mostrar como podem ser ferramentas de luta as nossas instituições públicas – o Ministério Público, o Judiciário também –, e além da advocacia, o seu trabalho é inspirador para vários e vários jovens estudantes de Direito, aqui no Estado e em todo o Brasil, pela coragem por ter sido uma das primeiras vozes no Brasil a se levantar na luta pela justiça e pela punição dos torturadores do nosso País. Professor José Carlos, sou suspeito pela amizade, mas que junto com toda a equipe da Comissão da Anistia, de jovens professores que saíram do Rio Grande do Sul, está fazendo uma revolução democrática neste País. São mais de 50 caravanas da anistia reabrindo nas universidades brasileiras este debate, resgatando a memória e os direitos de centenas, de milhares de pessoas que a ditadura massacrou. A ditadura não massacrou só o físico, ela massacrou o psicológico, ela massacrou a imagem das pessoas para os seus filhos, os seus netos. A ditadura contou histórias mentirosas e é fundamental esse resgate da luta pela verdade porque, sim, existe ainda no imaginário brasileiro uma afeição ao regime autoritário. Isso nós temos que encarar. Não são poucas as pessoas, como não foram poucas as pessoas que apoiaram o golpe. Isso não tornou o golpe mais legítimo, mas nós precisamos enfrentar essa tendência ao autoritarismo que existe na sociedade brasileira, de pessoas que talvez enganadas, talvez não, repitam que o Brasil era melhor naqueles tempos. Nós precisamos lembrar, só para resumir aqui, as três grandes heranças da ditadura: a hiperinflação em que deixaram o Brasil; o maior regime desigual, a maior economia do mundo, a maior desigualdade de todo o mundo, Ver. Mauro, era a brasileira ao final da ditadura, de um regime sem povo, de um regime que só criou privilégios. Hoje é importante dizer que os direitos que constituíram para aquelas pessoas que estavam no regime – a colega Tamires me trouxe esse dado e fiquei estupefato, Dr. Ivan Marx –, os direitos previdenciários dos herdeiros das pessoas que governaram o Brasil durante a ditadura, o custo anual que o Brasil tem de previdência com essas segundas, terceiras gerações, é de R$ 24 bilhões por ano, o mesmo valor que o Bolsa Família emprega para 40 milhões de pessoas. Essa sociedade dos privilégios que ainda temos que questionar. Nós só vamos vencer a violência no tema da segurança pública se enfrentarmos esse passado em que o Estado brasileiro foi usado, manipulado, contra o próprio povo. Muito obrigado por esta oportunidade, e que tenha sido apenas um momento de uma luta muito longa e eterna pela democracia e pela liberdade.

 

(Não revisado pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Mauro Pinheiro): Muito obrigado, Ver. Alberto Kopittke. Em meu nome, em nome da Câmara de Vereadores, em nome da cidade de Porto Alegre, agradecemos ao Dr. Roberto Caldas, Juiz Vice-Presidente da Corte Interamericana de Direitos; ao Dr. Ivan Cláudio Marx, Procurador Federal; e ao Sr. José Carlos Moreira da Silva Filho, Conselheiro da Comissão Nacional de Anistia, por todas as informações, por todas as contribuições que nos deram na tarde de hoje, e pela luta, pela memória, verdade, justiça e democracia do nosso País. Contem com esta Câmara de Vereadores, contem com esses Vereadores para que nunca mais tenhamos momentos como os da ditadura, e que a democracia reine em nosso País para sempre. Muito obrigado. (Palmas.)

Visivelmente não há quórum. Estão encerrados os trabalhos da presente Sessão.

 

(Encerra-se a Sessão às 17h12min.)

 

* * * * *